"Convidamo-lo a consultar o calendário biodinâmico antes de fazer a sua reserva", pode ler-se no website da Mirazur, o restaurante com três estrelas Michelin da Costa Azul onde a chef de cozinha é a Lua. Não é uma brincadeira. Assim o afirmou o chef argentino Mauro Colagreco que, desde o passado 9 de junho, oferece aos seus clientes quatro variações diferentes --raízes, flores, folhas, e frutas-- do menu Universo Mirazur (320 euros). Assim, dependendo do dia da semana e do calendário da lua mudam os nove pratos da carta, a louça e a decoração para "ligar-se com a natureza", diz Colagreco.
Na menor cidade de Espanha que tem um restaurante com estrela Michelin, Daroca de Rioja, o chef Ignacio Echapresto também optou por olhar para o céu e deixar-se guiar pela estrela que gira à volta da Terra. Desta forma, durante junho propõe em Venda Moncalvillo dois menus "elaborados com os melhores produtos da cada fase da lua" que custam 90 euros (Lua crescente) e 110 euros (Lua cheia) com o vinho à parte. A pergunta é: até que ponto a agricultura biodinámica e as forças cósmicas influenciam a confeção? Traz benefícios ao produto final ou é uma forma de chamar a atenção e vender mais?
Sem evidência científica
"Não se publicou nenhum artigo com suporte científico que diga que a Lua tem uma repercussão na alimentação e na agricultura em geral", aponta à Consumidor Global Joan Casals, professor da Escola de Engenharia Agroalimentar e Biosistemas de Barcelona. Tanto que o especialista acrescenta que no mundo universitário não há ninguém que esteja a estudar a biodinêmica porque não faz parte do currículo académico. Além disso, assim como existe um organismo que valida quando uma agricultura é ecológica, para a biodinámica não existe.
Na mesma linha, Manel Morillo, fundador da Con Gusto Consulting, acredita que "o tema dos ciclos lunares em termos gerais é um conceito de marketing para gerar likes e chamar a atenção, mas sem suporte científico". No blog de receitas de cozinha e gastronomia Directo al paladar, por exemplo, referem-se à agricultura e a cozinha biodinâmicas como "fraude", "charlatanismo" ou "estupidez esotérica".
Os valores da terra
É verdade que a biodinámica está rodeada de misticismo e ceticismo, mas também é verdade que o tipo de produtores que a praticam, independentemente dos ciclos lunares que sigam, "tratam com carinho a terra e os frutos e isso nota-se no produto final, que costuma ser de qualidade", destaca Morillo.
Tanto a agricultura como a cozinha biodinâmica trabalham com produto da época e de proximidade, algo que os especialistas qualificam de essencial. "Se as coisas forem bem feitas os consumidores têm que as valorizar. Mais que o rótulo de ecológico ou não ecológico, de biodinâmico ou não, trata-se do camponês. Não diria que a biodinâmica faze um melhor trabalho. Todos dependem da forma como cuidam da terra", afirma Casals.
Os preços florescem
Os produtos biodinâmicos são mais caros que os da agricultura tradicional ou a industrial porque os seus processos requerem mais mão de obra. "São produções pequenas e os preços sobem", aponta Morello. Os próprios agricultores explicam que é muitíssimo mais caro porque o mais fácil é pagar e fertilizar. "Mas nós só trabalhamos com produtos naturais", sublinha Luzia Calvo, uma jovem agricultora da D'luxo, uma pequena exploração agrícola biodinâmica da Galiza rural que fornece ervilhas lacrimogêneas e grão de bico a restaurantes como El celler de Can Rocha ou Mugaritz.
Da La despensa D'lujo explicam que eles fazem as coisas seguindo as ordens da terra, o clima e a Lua. "A biodinâmica resulta e sempre a utilizámos. Herdamo-la dos nossos avôs", sentenciou Calvo.