"A metade da vitamina D diário que precisas, podes tomar do sol… A outra metade, deste bol", se pode ler no último anúncio de Kellogg's, que circula pelas redes sociais, sobre seus cereais Corn Flakes, Special K e Choco Krispies. Uma afirmação tão intrépida como carenciada de sentido que preocupa aos nutricionistas.
Para começar, a afirmação a metade do sol e a outra metade do bol "é mentira e é perigosa", adverte o professor de nutrição da Universidade San Jorge de Zaragoza, Juan Revenga, em referência ao facto de que um 90 % da quantidade de vitamina D que precisa o corpo humano se obtém através da exposição solar, enquanto a dieta supõe só um 10 %. "Fazem-te crer uma coisa que não é certa, com os riscos que isso implica", acrescenta Revenga, quem recorda que "somos animais e que devemos viver mais ao ar livre".
Kellogg's e a vitamina D
A ingestão diária recomendada de vitamina D, que recolhe o Regulamento (UE) 1169/2011 e que permite fazer declarações no etiquetado e publicidade, é de 5 microgramas. Um bol de 30 gramas de Corn Flakes de Kellogg's contém 2,52 microgramas de dita vitamina, pelo que, neste sentido, "estão a dizer algo que é verdadeiro e legal", expõe a experiente em divulgação alimentar e autora do livro Come seguro comendo de tudo, Beatriz Robles, quem coincide em que a afirmação do anúncio "não faz sentido".
É melhor obter a vitamina D de ultraprocesados enriquecidos como os cereais Kellogg's ou de alimentos que a levam incorporada de forma natural, como o aguacate, o atum, os champiñones e alguns lacticínios? A origem da vitamina D "terá, mais ou menos, a mesma qualidade. O problema é que acompanha a essa vitamina D. Se são as proteínas e o omega-3 do pescado, ou os açúcares e farinhas refinadas dos cereais industriais", aponta Robles, quem recorda não há que fixar num nutriente mais especificamente, sina no alimento em si.
Dize-me de que presumes e dizer-te-ei de que careces
Ao ler as etiquetas no supermercado, todos os produtos são ricos em vitaminas, minerales, omega-3 e fibra, e baixos em açúcar, gorduras, sal e calorías. Aparentemente. "Quando tentam que fixemos nossa atenção num nutriente mais especificamente, é porque querem que a desviemos do conjunto de ingredientes", adverte Robles, que recomenda fugir dos produtos que utilizam este tipo de reclamos.
Do que Kellogg's não presume "é da quantidade ingente de açúcar que contêm seus produtos", aponta Reventa. Tanto nos Corn Flakes como nos Special K e os Choco Krispies, o açúcar figura como o segundo ou o terceiro ingrediente principal, e representa entre o 8 e o 17% de produto. Por isso, "à indústria dos alimentos insanos teria que a julgar pelo que cala e não pelo que conta", adverte o nutricionista.
Uma estratégia agressiva e oportunista
Kellogg´s, com seus anúncios sobre a vitamina D, "pratica uma estratégia comercial baseada na cultura do medo: que penses que podes ter um déficit e que com eles te vais curar", critica Revenga, quem recorda que, em plena pandemia, se nos vendeu a vitamina D como um remédio infalible para o Covid. Falsidades que têm sido desmentidas pela ciência.
Ao ver um reclamo deste tipo, "como nutricionista, o primeiro que me vem à cabeça é que tentam aproveitar o tirón mediático das notícias publicadas sobre o déficit de vitamina D que têm os espanhóis para lhes colocar o produto", expõe Robles.
Quando o 'remédio' é a pior solução
Segundo vários estudos recentes, mais de um 50 % da população de nosso país tem carência de vitamina D. Uma carência provocada porque a cada vez mais pessoas têm mudado a luz solar pela do fluorescente.
"O que propõe Kellogg's não tem nada que ver com a solução. De facto, dirigem-te à solução contrária. Assinalam algo que é bom, o contribua de vitamina D, mas não por afianzarte num mau hábito --viver em interiores-- vais melhorar. Há uma coisa pior que estar confundido, que é estar confundido e convencido", adverte Revenga. Esperemos que os consumidores não caiam na pifia de Kellogg's em seu último anúncio e pensem que podem sacar a metade da vitamina D que precisam de um bol.