A guerra do presunto se recrudece: assim afectaria aos consumidores uma IGP para toda Espanha

Os produtores que já contam com um selo geográfico se opõem ao plano das grandes cárnicas e do Governo porque restaria qualidade a este alimento icónico

patas jamón serrano uns
patas jamón serrano uns

Quando um consumidor vislumbra que um queijo tem o selo da Denominação de Origem Protegida (DOP) Cabrales, pode saber que o leite do produto procede exclusivamente de ganaderías estabelecidas em sua zona de produção, isto é, do município asturiano de Cabrales e três povos limítrofes. Com o presunto serrano é mais complicado. É um produto estelar, com várias empresas com certificações, mas também um alimento que pode sofrer falseos de produtores que o façam fosse de Espanha e cuelen a etiqueta de serrano. Para evitá-lo, o Ministério de Agricultura, Pesca e Alimentação preparava um selo de Indicação Geográfica Protegida (IGP) Presunto Serrano do que, em teoria, beneficiar-se-iam todos os ganadeiros espanhóis.

Mas a proposta não tem convencido a alguns jamoneros que já tinham sua própria IGP: é o caso dos de Trévelez (Granada) e Serón (Almería). Estes jamoneros defendem que, com uma IGP disponível para todos, seu produto se devaluaría. O assunto chegou aos tribunais. Quando o Ministério devia apresentar a tramitação da IGP à Comissão Européia, eles têm conseguido paralisar o processo. É uma guerra de siglas, mas também de sentido: que é um presunto serrano de qualidade, que pode o ser e daí não o é.

"A qualidade ir-se-ia fazer puñetas"

José Luis Gómez é um dos responsáveis por Presuntos Casa Velha, uma empresa que pode presumir de fazer presuntos com a Denominação de Origem (DO) de Teruel. Com este selo de qualidade baixo o braço, este experiente mostra-se na contramão de uma IGP para toda Espanha. "Acho que não é a solução", afirma, e aponta a factores diferenciais entre uns produtos e outros, como a raça de porco, a alimentação ou o clima. "Não é o mesmo Teruel que Granada", detalha.

Un cortador profesional / EUROPA PRESS / DIPUTACIÓN DE MÁLAGA
Um cortador profissional / EUROPA PRESS / DIPUTACIÓN DE MÁLAGA

Um dos assuntos mais polémicos é o tempo de produção. O texto que manejava o ministério permitiria comercializar presuntos serranos curados durante sozinho sete meses no mínimo. "Hoje em dia, penso que em sete meses seria impossível, ainda com secaderos e temperatura controlada. Depende do tamanho das peças, também. Eu trabalho presuntos de 13 quilos, e se me vão aos 21 meses de cura", relata Gómez. A chave, segundo este experiente, está em que uma grande empresa costuma contar com um grande secadero e tem a intenção de que seus presuntos saiam ao mercado o quanto antes. Preparar, curar e vender. "Nós, os artesãos, devemos respeitar mais os tempos. Se não, a qualidade ir-se-ia fazer puñetas", aponta.

As IGP já existentes ficariam em nada

O presunto serrano da murciana Embutidos Escámez obteve o prêmio Alimentos de Espanha ao melhor presunto serrano do país em 2020. Desde esta empresa familiar, que tem mais de 40 anos de experiência, apontam que em Espanha há muitas "particularidades de clima". Como exemplo, assinala que "não podes fazer ibérios em Valencia capital". Isso parece claro. Uma IGP nacional para o serrano, crêem desde Embutidos Escámez, "deixaria inservibles às que já a têm".

"Como demonstrar-se-ia a diferença de qualidade de um e outro?", perguntam-se. Nesta empresa coincidem com a análise de Gómez, de Casa Velha: "As grandes indústrias cárnicas não têm secaderos naturais. Liga-lo à câmara, mete-lo a 40 graus e em seguida ten-lo. Se elas conseguem o selo assim, poderiam vender seus presuntos um pouco mais caros, enquanto as que já o têm teriam que o baixar", detalha. "Como lhe explicas ao consumidor qual é a diferença entre um e outro? Pões-lhe serrano e a alguns consumidores dá-lhes o mesmo", lamenta esta mesma fonte.

Piezas enteras de jamón / PIXABAY
Peças inteiras de presunto / PIXABAY

Aumentar a protecção do presunto

A Associação de Indústrias da Carne de Espanha (Anice) é a patronal que agrupa às grandes empresas do sector. Entre elas há titanes como O Poço. Juan Carlos Tejero é o presidente do Grupo de Jamoneros de Anice, e recorda a Consumidor Global que o projecto não tem sete meses nem 24. Anice levou a Bruxelas a solicitação da Indicação Geográfica Protegida (IGP) para o presunto serrano em julho de 2015.

"O fundamental é o grau de protecção interna que proporciona o selo para o produto. O presunto serrano é um património que tem este país, sentimos que é admirado em todo mundo, e para poder o divulgar e o exportar precisamos uma protecção contra as agressões, porque se lhe chama presunto serrano a qualquer coisa", denuncia Tejero. Um selo assim permitiria associar o presunto serrano a Espanha e só a Espanha, o que supõe um arma para o mercado exterior mais que para o interior. Tejero acha que "a nenhum jamonero deste país poder-lhe-ia prejudicar", e defende que seguir-se-ia o mesmo edital de mínimos.

Varios cerdos en una dehesa / PIXABAY
Vários porcos numa dehesa / PIXABAY

"Existe a livre concorrência"

Assim, sobre os sete meses de cura, Tejero realça que é um mínimo, e não algo ao que se obrigasse a ninguém. Só um indispensável. Isto é, quem quisesse fazer sete meses poderia fazê-lo, "e quem queira seguir curando-o durante 24, também". E, a partir daí, a faca do livre mercado seria o que ditasse sentença. "Existe a livre concorrência e a cada um se tem que fazer valer no mercado por seu produto", crê Tejero. Sobre se afectaria no âmbito de preços, opina que "não tem nada que ver", e que o importantes é "que o presunto serrano só se possa fazer em Espanha, para ter assim propriedade intelectual, porque a dia de hoje não temos nenhuma protecção". Tejero acha que a IGP sairá adiante porque "o sentido comum tem que imperar". Acrescenta que "é algo bom para todo o sector, para todo o património e para as futuras gerações. Beneficia à maioria, e também aos consumidores".

Manuel Checa é o responsável por Presuntos de Serón Checa, que também tem sua IGP. "Temos estado 6 ou 7 anos para conseguí-la. A gente de Anice, com os grandes empresários, queria criá-la em seis meses", relata. Checa pensa que com um certificado assim o produto se "devaluaría completamente" e teria lugar para certa barra livre. Ao igual que seus colegas, realça a qualidade de seu produto curado artesanalmente e durante mais tempo, mas também se cura em saúde. "Não estou a dizer que um seja melhor nem pior, sina diferente", precisa. Mas sublinha a distinção. "Não pode ser a mesma marca, não pode se abarcar todo o baixo o mesmo paraguas".

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