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Fuga de clientes para a concorrência da Wetaca depois da crise com os seus 'tuppers'
Muitos consumidores perderam a confiança na empresa espanhola de comida ao domicílio devido à "falta de transparência" na hora de comunicar o alerta alimentar sobre o estado de seus pratos
Um homem tira um tupper de feijão com chourizo da marmita, aquece-o no microondas e senta-se a jantar tranquilamente na mesa da sala. Np fundo, Espanha marca um golo atrás de outro à Eslováquia no Campeonato Europeu de Futebol. Entre colheradas o homem recebe um correio electrónico no seu telemóvel. É da Wetaca, a empresa espanhola que lhe proporciona todas as semanas tuppers de comida saudável ao domicílio. Abre-o enquanto come: "Escrevemos-te para pedir-te que por favor não comas os pratos do teu último pedido (recebido entre 18 de junho e 23 de junho de 2021)", pode-se ler no início da mensagem. Reflexivamente, cospe a comida e a colher cai--lhe das mãos.
Desinformação, telefonemas sem resposta e medo. Isto mesmo sucedeu às dezenas de milhares de pessoas que recebem todas as semanas pratos preparados da Wetaca. É que o correio da empresa fazia referência a um problema nos "regulamentos da qualidade" dos seus pratos, mas não detalhava nada mais. "A nossa prioridade é cuidar de ti, pelo que se já consumiste os pratos e não te sentiste ou sentes mal, não te preocupes. Mas se por alguma razão senteste-te mal, pedimos-te que te ponhas em contacto conosco", prosseguia o e-mail, no qual assumiam o grave erro e se comprometiam a devolver o custo total do pedido de forma automática. Mas não ofereciam nem um só detalhe sobre os pratos que não tinham superado as análises de qualidade realizadas a posteriori. Nada. Nenhum comunicado público. Alarme e incerteza entre os utilizadores, que durante mais de uma semana não souberam se tinham ingerido alimentos contaminados. Até que a Wetaca escreveu outro email: "Podemos afirmar que o consumo foi completamente seguro para ti". Mas o dano estava feito, e numerosos utilizadores têm mostrado o seu mal-estar nas redes sociais face à "falta de transparência" da Wetaca. Outros, diretamente, têm cancelado a sua assinatura.
Perda de confiança e de clientes
"A mim não me gera confiança uma marca que faz as provas de qualidade uma vez enviados os produtos e não antes. Aqui acaba para mim a Wetaca", aponta uma utilizadora no Twitter. Na mesma linha, um utilizador do Instagram escreve na página oficial da empresa que distribui comida em todo o território: "Wetaca, obrigada por dar-me dor de barriga e vómitos num dia em que tenho que estar a 100% de rendimento. Não voltarei a jogar o meu dinheiro ao lixo e nem a minha saúde". Os comentários deste estilo contam-se às dezenas.
"Lançar essa mensagem intranquiliza mais que informa. É pouco prudente", critica Miguel Ángel Lurueña, doutor em ciência e tecnologia dos alimentos, que acrescenta que "se não se conhece a informação, deveriam explicar os detalhes para resolver as dúvidas que colocam os consumidores". Ao não comunicar o que tinha acontecido, ao não explicar por que motivo não se podiam comer os pratos, "os clientes assustaram-se, e isso sempre danifica a imagem da empresa e gera desconfiança no consumidor", indica Susana Rodríguez Costa, dietista e nutricionista da Nutriciona Group. Muitos clientes também se queixam de que a Wetaca não respondeu aos seus telefonemas nem às suas mensagens. Ao mesmo tempo, outros alertam no Instagram de que "vou interpor medidas legais". E na Wetaca não conseguem atender às reclamações dos seus clientes e ex-clientes.
A concorrência esfrega as mãos
Enquanto a startup madrilena vive o seu momento mais difícil desde o seu nascimento há cinco anos, David García, responsável por marketing da empresa de comida caseira ao domicílio Que Cocine Peter, expõe à Consumidor Global que desde que teve lugar o incidente da Wetaca "as solicitações de informação sobre nossos pratos aumentaram 15%". E acrescenta que "as vendas também têm subido. O caso da Wetaca influenciou positivamente".
Da empresa de cozinha a domicílio Mi plato também afirmam que os pedidos têm aumentado nas últimas semanas. Consideram que uma parte desse incremento vem "devolvida da Wetaca". "É um tema de segurança alimentar que afecta a reputação da empresa", explica o nutricionista Juan Revenga sobre a fuga de clientes da empresa madrilena.
Sem protocolo de alertas alimentares
Grande parte das críticas que recebidas pela Wetaca fazem referência à moda de comunicar o alerta alimentar aos utilizadores. "Parece-me inaudito que envieis pratos em mau estado ainda por cima o comuniqueis num e-mail que não esclarece nada e que só consegue alarmar mais", queixa-se um utilizador no perfil de Instagram da empresa. Um protesto generalizado que ainda não obteve uma resposta concreta.
"O que parece é que não têm um protocolo estabelecido para estes casos, algo que é fundamental numa empresa de alimentação", aponta Lurueña, que critica que a Wetaca deveria ter um protocolo sobre as medidas a implementar face a um alerta alimentar. Não é como se eu fosse escrever um e-mail e pronto. Há que informar correctamente o consumidor e não provocar alarmismo", acrescenta este especialista. "O pior é não dizer nada", diz Revenga, que lembra o caso da carne desfiada contaminada por listeria da Magrudis S.L., que durante o verão de 2019 causou três mortes e sete abortos.
Uma crise no pior momento possível
A média de pedidos semanais da Wetaca era de 5.600 antes do incidente do 23 de junho, um número que, com base no mal-estar de muitos dos seus clientes, os especialistas presumem que ter-se-á reduzido de forma significativa. No entanto, a companhia não respondeu às explicações sobre o incidente que este medio solicitou.
Em todo o caso, alheia a toda a polémica, a startup espanhola acaba de lançar um modelo de assinatura com o qual espera atingir os 7.000 pedidos semanais no final de ano. Um objectivo que parece demasiado ambicioso tendo em conta o difícil momento pelo que passa a empresa e a subida de preços que têm experimentado os seus pratos --no confinamento uma encomenda média semanal era de 36 euros e agora é de 43--.
Que deve fazer o consumidor nestes casos?
A grande dúvida nestes casos recae sobre o que deve fazer o consumidor no caso de sofrer uma intoxicação alimentar. O primeiro sempre será ir ao médico e pedir um relatório. Depois, com o relatório médico e o ticket de compra do alimento nas mãos, deve ir à Associação de Consumidores para interpor a reclamação, solicitar uma indemnização por danos e prejuízos, e pedir que se realize uma inspeção na empresa que comercializou o alimento em mau estado e a correspondente sanção. A Comunidade de Madrid, por exemplo, facilita um trâmite telemático no seu website para interpor este tipo de denúncias.
"O lógico é que as autoridades sanitárias detetem este tipo de problemas", explica Lurueña. Em qualquer caso, "depende dos danos sofridos, de se a pessoa afetada tem seguro médico ou não, de se se vê obrigado a faltar ao trabalho, intervêm muitos factores…", acrescenta o especialista em alimentação. Além disso, os especialistas apontam que ao se tratar de uma empresa que vende comida a domicílio e tem todos os dados do cliente é mais fácil identificar a origem da intoxicação.
É seguro pedir comida ao domicílio?
No caso da comida ao domicílio, o maior risco que há reside no tempo que passa entre que a confeção do alimento e o consumo. "Se a rede de frio for interropida, por exemplo, pode favorecer o desenvolvimento de patogénicos", alerta, Lurueña, que aponta ainda que no geral não costuma passar muito tempo. "A maioria das empresas do sector cozinham de forma industrial e fazem a entrega uma vez por semana. Nós cozinhamos todos os dias e entregamos a comida quatro vezes por semana", apontam da Welthy, onde o tempo que decorre entre a cnfeção e consumo é muito inferior ao da Wetaca.
Os especialistas sublinham que este tipo de empresas de pratos ao domicílio também devem cumprir as regulamentações e aplicar um sistema de autocontrole de higiene e qualidade. Além disso, da mesma forma que os restaurantes, se submetem a inspecções e controles frequentes. "Não são menos seguras que qualquer outra empresa de alimentação", aponta Lurueña. "Mas o risco zero não existe", enfatiza Revenga.
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