Bernat Añaños chorava, quando, em criança, via os conflitos armados nas notícias. "Quando era criança era muito sensível, bom e continuo a sê-lo", assegura. Segundo ele, nesses momentos de frustração "sentia que não podia mudar o mundo". Até que um dia decidiu que tinha que acabar com esta atitude mais conformista e levantar-se por aquilo que não lhe parecia bem. E qual foi a causa escolhida? O meio ambiente, porque "não haverá um mundo melhor se não mudamos a relação com o mundo e a comida".
Hoje Añaños é um dos empresários mais destacados de Espanha junto com o seu sócio e amigo Marc Coloma. Juntos fundaram a Heura, uma startup de carne vegetal que em apenas 4 anos atingiu uma facturação de 8 milhões de euros. O seu objectivo? "Liderar a indústria de carne vegetal". Atualmente, já estão presentes em 15 países, contam com mais de 4.000 pontos de venda e têm uma centena de empregados.
Este verão a Heura lançou uns nuggets vegetais que esgotaram de imediato.Foi uma campanha de marketing, a denominada estratégia da escassez, ou respondeu a problemas na rede de distribuição?
"Quando lanças um produto nunca sabes a aceitação que pode ter. No caso dos nuggets, a procura foi muito elevada desde o início. Não era uma estratégia de marketing, teria sido bom, mas não".
Além de empresários, vocês consideram-se ativistas. Isto é, o seu objectivo pessoal é o mesmo que o profissional. Esse sentimento complica a gestão da empresa?
"Tudo o que fazemos nasce do coração e isso tem uma parte boa e outra mais complicada, que é a frustração".
Então, não sai do escritório e desliga.
"Esse é o problema do ativismo, que levas dentro de ti. Tanto quando vais comprar no supermercado, quando comes num restaurante, como quando vais de férias para outro país… Sempre está ali. Mas no final o importante é que tipo de ativismo fazemos, como o fazemos e o que conseguimos".
O setor vegetariano ou vegano sempre teve má imprensa. Tem sido associada a pessoas fechadas que julgam quem comem carne.
"Sim acho que às vezes o movimento animalista e o vegano/vegetariano têm sido percebidos como correntes de pensamento afastadas da sociedade. Mas agora estão a fazer muitos esforços para aproximá-los e envolver as pessoas. O segredo está em deixar de pensar no eu, no ego e criar mais ferramentas para que todo o mundo acredite nesse objectivo".
A Heura lançou dois produtos que imitam a carne de porco. Já têm produtos que imitam o frango, a carne bovina e agora o bacon. A última degustação foi feita numa pequena cidade para perto de Toledo de tradição ganadeira. Como foi esta experiência?
"Ninguém sabia nada, nem sequer o prefeito sabia a ciência verdadeira o que íamos fazer. Foi um presente da vida poder estar ali e ver as reacções in situ. Encantou-lhes o produto apesar de ser muito de campo e de ter a tradição da matança tão arraigada. Estavam com a mente aberta".
Um dos argumentos dos defensores da indústria cárnica é que o sector ganadeiro é um dos poucos motores económicos da denominada Espanha esvaziada. Que opina desta polémica?
"Acho que é um argumento válido e desde Heura não podemos julgar às pessoas que dependem deste sistema. Em minha cabeça funciona muito bem o de fazer uma mudança de hoje para manhã, o de começar com a transição à carne vegetal. Mas isto é um processo lento e ficam anos. Ainda que tem-se que começar a fazer e, quanto mais demoremos, mais gente se vai ficar atrás".
E daí propõe?
"Espanha tem todos os elementos para liderar esta transição: sabemos como fazer carne, temos um bom paladar e somos exportadores natos. De modo que o que tem que mudar é que em lugar de ter indústrias cárnicas, que nesta Espanha esvaziada se cultive cereais ou legumes que façam falta para cumprir com a transição vegetal. Temos a oportunidade de ser líderes e estamos a deixar que Canadá e Singapura levem a delantera".
Qual tem sido o produto mais complicado de elaborar?
"O chorizo ou a salchicha, sem nenhuma dúvida. A textura e o envoltorio eram um repto. Emular o intestino com o que se envolvem estes embutidos e que seja vegetal não era uma tarefa fácil. Não queríamos que gerasse uma experiência rara na boca, queríamos que soubesse bem e que se cozinhasse fácil. Ademais, o chorizo tinha o repto de que é um produto muito de aqui e tinha mais pressão".
A cada vez mais supermercados têm linhas veganas ou vegetarianas, entre os que destaca Lidl. Consideram-no como concorrência ou como uma oportunidade de negócio para vender num futuro ali?
"Meu mantra é não vejas nunca a uma empresa que está a apostar por carne vegetal como concorrência. Meu objectivo é que não tenha nenhum animal nos lineares de um supermercado, na equação da corrente de alimentação. Se o produto gosto ou não, já é de outra coisa, como consumidor eu posso eleger que comprar e daí não. Mas, sempre quantas mais opções tenha disponíveis, melhor. Porque sem opções não há liberdade".
Muitos experientes propõem comer insectos para combater a mudança climática. Estaria disposta a fazê-lo?
"Acho que não faz falta. O mundo vegetal é muito amplo, não acho que seja necessário. Há muitos legumes e tipos de cereais… não me faz falta passar pelos insectos. Ademais, a sustentabilidade dos vegetais é incuestionable".
A quantos países exporta Heura?
"A uns 15 ao todo... Canadá, Singapura, Chile, começaremos em México, também nos Emiratos Árabes e em Egipto".
Há mercado nos Emiratos Árabes e em Egipto?
Sim, surpreendeu-nos muito, mas justo em Emiratos Árabes a corrente vegana e vegetariana está despuntando.
Com seus produtos, será a única possibilidade que terão os muçulmanos de comer um alimento que emule ao porco, o animal proibido no Corán…
(Risos) Não o tinha pensado, mas é totalmente verdadeiro.