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Carne "sem antibióticos" ou como toda a carne? A alegação de publicidade enganosa que beira a ilegal

Algumas empresas de carne rotulam os seus produtos com uma mensagem que pode confundir o consumidor ao assinalar uma característica comum como se fosse exclusiva

Alberto Rosa

Vários bifes / UNSPLASH

Vender uma característica como se fosse exclusiva quando o resto dos produtos da mesma categoria também a têm pode gerar muita confusão e induzir em erro os consumidores. É o caso dos produtos de carne que incluem no seu rótulo a mensagem "sem antibióticos" apesar que todas as demais marcas também não os têm, simples e claramente porque é ilegal.

Segundo o relatório sobre resíduos de substâncias veterinárias que a Autoridade Européia de Segurança Alimentar (EFSA), publica anualmente, em 2020, no último ano do qual se têm dados, 99,88% das amostras de porco analisadas cumpriu os limites legais para estas substâncias. Por isso, pode-se considerar que no general a carne não contém antibióticos.

Uso de antibióticos na pecuária

O tecnólogo e divulgador alimentar Miguel Ángel Lurueña explicava há uns dias no Twitter como algumas marcas utilizam esta afirmação de uma forma "pouco ética, ilegal e confusa", já que o uso de antibióticos em animais está proibido desde 2006 na União Europeia.

A administração de antibióticos nas pecuárias era frequente para promover o crescimento dos animais. No entanto, verificou-se  que as bactérias estavam-se a tornar inmunes aos antibióticos e a União Europeia começou a monitorar este uso até o proibir finalmente.

Desacreditar a concorrência

"O uso deste tipo de rótulos pode levar a que os consumidores pensem que outras empresas sim que administram antibióticos ao seu gado quando não é assim", explica à Consumidor Global Rafael Urrialde, doutor em Ciências Biológicas e especialista em alimentação, segurança alimentar, nutrição e sustentabilidade.

Segundo o perito, este tipo de práticas "desacreditam o setor porque o consumidor pode pensar que as marcas que rotulam assim são as que fazem bem e o resto não", enfatiza.

Uma prática que incumpre a legislação

Urrialde, além disso, afirma que o regulamento em relação a este aspeto se mostra "muito claro" no artigo 7.1. do Regulamento 1169/2011 do Parlamento Europeu sobre a informação alimentar facilitada ao consumidor.

Um porco numa quinta / PEXELS
 

Nele se indica que a informação alimentar não pode insinuar que o alimento possui características especiais, quando, na verdade, todos os alimentos semelhantes possuem essas mesmas características, em particular dando especialmente relevo à presença ou ausência de determinados ingredientes ou nutrientes. O perito afirma que o problema arraiga numa clara falta de controle da informação dos rótulos e pensa que estas práticas estão a começar a generalizar-se.

Que diz o setor

Uma das muitas marcas que comercializa a sua carne com o rótulo "Sem antibióticos" é a IGP Carne da Serra de Guadarrama. O seu presidente, Raúl de Lema, defende à Consumidor Global que se for o caso o fazem para diferenciar do resto de produtos procedentes de outros países que não seguem a mesma legislação que na Europa .

Carne fresca e um trabalhador / FREEPIK

"Também o fazemos porque muitos de nossos clientes nos perguntam, já que há anos sim que era frequente administrar antibióticos aos animais para promover o seu crescimento", expõe esta fonte do setor.

O marketing do "Sem"

O perito em segurança alimentar Rafael Urrialde afirma que este tipo de práticas respondem a uma estratégia de marketing muito questionável. "Os sem generalizaram-se para posicionarem-se emfrente a outros e não têm nenhum sentido. É como quando nos 90 e os 2000 se rotulavam as bebidas vegetais sem colesterol quando é evidente que não o têm", sublinha.

Por sua vez, Jesús García, tecnólogo alimentar, considera que estas práticas representam "jogar com o desconhecimento do consumidor", já que se dá a entender que outras carnes sim levam antibióticos "quando nenhuma pode sair para o mercado com estas características", conclui.