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A carne de Angus, sob suspeita: "Se tem 20%, as pessoas chamam-lhe isso".
Esta variedade tornou-se muito popular, mas alguns produtores acham que há quem a ofereça apesar de que os seus produtos têm só uma pequena percentagem dela
No volátil mundo da gastronomia há certas tendências que, se num primeiro momento parecem originais e atraentes, mais tarde acabam por ser ofuscadas: o molho de trufa, o abacate, o puré tradicional… ou a carne de Angus. Este alimento provém de uma raça de carne de vaca originária da Escócia que se tornou conhecida em todo mundo, e cada vez é mais habitual encontrá-la em restaurantes. Ainda que na mente do consumidor médio a palavra Angus não seja tão suculenta como Wagyu ou Kobe, Angus associa-se a qualidade. Mas pode ser um erro.
Os que sabem disto afirmam que um bom bife de Angus é reconhecível, antes de mais pelo seu sabor intenso e sedoso, mas também pelo seu marmoreado: as estrias brancas de gordura intramuscular.. Este tom, o branco, é oposto ao negro rotundo do animal: espécies musculadas com a pele de uma cor escura intensa que podem chegar a pesar 1.000 quilos. E escuro é também a origem de alguns hambúrgueres que dizem ser de Angus.
No Carl's Jr ou Burger King
Até há uns dias, a rede Carl's Jr tinha uma promoção na qual o cliente podia adquirir um menu composto por um hambúrguer "100% Angus" mais umas batatas e uma bebida pequena por 6 euros. Atualmente, só o hambúrguer custa cerca de oito euros, embora possa ser mais caro consoante os ingredientes. A Burger King também tem o seu, chamado Angus Grill, enquadrado na sua gama Originals (mais gourmet). Em ambos os casos dizem ser "100 % Angus".
No entanto, numa empresa de carne de prestígio como pode ser Miguel Vergara, o quilo do hambúrguer de vácuo Angus pode ultrapassar os 17 ou 18 euros. Não é, no general, um produto barato. Podem vender-se a um preço acessível nas redes de comida rápida, ou dão gato por lebre?
Diferenças de idade
Pablo Cabezali acha que sim podem. Este criador de conteúdo e crítico tem mais de meio milhão de subscritores no seu canal de YouTube, Cenando com Pablo, onde comenta com sinceridade as suas experiências em centenas de restaurantes. "Há muitas coisas a ter em conta. O volume que maneja Carl's Jr é muito superior, seguramente, ao de Miguel Vergara. Além disso, a Angus é uma raça, mas podes ter um animal que tenha oito meses, um ano ou de uma idade superior", explica a este meio.
Assim, Cabezali estima que na Carl's Jr porão Angus muito jovem, enquanto outros optarão por animais mais velhos e mais saborosos. "Se dizem que é Angus, não acredito. É a filosofia que tem a marca, é de Estados Unidos e trata-se de uma raça muito popular ali. Além disso, não acho que uma rede desse prestígio lha jogue. Eu poria a mão no fogo", argumenta. Sim admite Cabezali que pode ser complexo distinguir Angus à primeira vista, porque no mundo da carne no general há quem dê raças cruzadas, o que faz com que seja mais escorregadio.
"Dentro do Angus há bom e mau"
Da Asociación Española de Criadores de Ganado Angus não dizem nem afirmam nem desmentem. "Em Espanha não há nenhum tipo de legislação a respeito, e é evidente que não podemos saber que faz cada um. Entendemos que, se o põem, tentarão que sim seja Angus, mas não posso dizer nem que sim nem que não", afirma um produtor membro da entidade à Consumidor Global. "A raça Angus está associada a uma carne de qualidade, mas dentro do Angus há bom e mau. O leque de possibilidades é amplo e, a partir daí, o que podemos fazer é adivinhar", acrescentam.
Da mesma forma, a associação indicam que a entrada da carne de Angus em Espanha teve mais que ver com o boom do turismo que com a pesquisa de novos sabores ou qualidades. "Começou no litoral, aproveitando a atração dos turistas ingleses que vinham de férias e que gostavam deste tipo de carne que já conheciam", relatam.
Dificuldade em ser 100% Angus
José Luis González é o responsável pela Angus Las Suertes del Monte, exploração de criação de gado Angus situada em Mohernando (Guadalajara). Na sua posição de especialista, González mostra-se mais céptico. "CDesde que tenha 20%, as pessoas já lhe chamam Angus. Mas em Espanha são muito poucas as empresas que têm 100% Angus", diz.
Isso deve-se a que muitos produtores cruzam raças diferentes e não se incomendam em especificá-lo. "Com a nova legislação, que entrará em vigor no final deste ano --ou assim foi dito--, regular-se-á mais. Acho que tudo se vai chamar vitela e se não for 100% de uma raça, não se pode pôr", explica. No caso dos hambúrgueres, González acha que é especialmente difícil de o demonstrar. "Num bife de carne de Angus podes verificar o nível de infiltração através do marmoleo, vdas estrias branca, e nota-se facilmente. Mas se a carne está picada… Podem meter o que quiserem", alerta.
Uma carne na moda
González começou com este produto há oito ou dez anos e tem visto a sua evolução na primeira pessoa. "No princípio as pessoas perguntavam-se o que era este bicho tão estranho, escuro e sem cornos. E agora está na moda em Espanha. Mas antes, o que tinha Angus tinha Angus para valer", afirma. O responsável pelas Las Suertes del Monte faz parte de um grupo de uns 70 produtores que quer criar uma associação para defender o "Angus 100%", onde a rastreabilidade e a origem estejam assegurados.
Na hora de ir a um supermercado à procura desta carne, González recomenda "ler a letra pequena do rótulo e não se fixar só no preço". Por exemplo, a Alcampo vende uma embalagem de 2 hambúrgueres (de 150 gramas cada uma) por 3,95 euros. "Black Angus de origem Espanha (nascido, criado e sacrificado)", diz a rede. No entanto, apesar de que o animal teve uma criação mínima de 12 a 24 meses, ao olhar o rótulo o consumidor pode ler que é só 50% raça angus. Isto é, que está cruzada. Na mesma linha, a marca Brooklyn Town comercializa hambúrgueres Angus em cuja embalagem aparece o lema "100% carne de vácuo". Aqui, a percentagem de Angus é de 80%. "É preciso ter um pouco de tempo para olhar", diz González.
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