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O borrego quer o seu pepito: o regresso desta carne tradicional, na estrada com Paquito
Interovic quer rejuvenescer o consumo deste alimento, do qual realça o seu sabor e sustentabilidade
"É um dos alimentos mais suculentos de nossa gastronomia tradicional", dizem no site Alimentos de Espanha. "Também não há que esquecer o seu elevado poder nutritivo: é fonte de proteínas, zinco e vitaminas do grupo B, sobretudo niacina, riboflavina e B12", acrescentam. É o muito celebrado presunto ibério ou o indiscutível azeite? Talvez algo pequeno e precioso, como o açafrão? Nem um nem outro: essa descrição corresponde à carne de borrego, um alimento que, depois de alguns anos de marasmo, quer regressar e ganhar presença nos pratos espanhóis.
Em Espanha existem seis Indicações Geográficas Protegidas: IGP Lechazo de Castilla e León, IGP Borrego de Navarra, IGP Ternasco de Aragón, IGP Borrego Segureño, IGP Borrego de Extremadura e IGP Borrego Manchego. Precisamente, o Governo de Castilla-La Mancha anunciou no início de fevereiro a sua "aposta sem precedentes" para a promoção da ovelha manchega, com um orçamento de quase um milhão de euros para promover o borrego e o queijo manchego.
As razões da queda do consumo
Beatriz Casares é a responsável por comunicação da Interprofesional do Ovino y Caprino de Carne (Interovic), e conta a este meio que, desde 2004, o consumo de carne de borrego estava a diminuir de forma drástica em Espanha. Interovic conseguiu travar essa queda em 2014, e agora o seu objectivo é aumentar o consumo. Para conseguí-lo, o primeiro passo era entender porque os espanhóis a relegavam para segundo plano. A entidade realizou um estudo para conhecer porque as pessoas já não queriam borrego, e obteve três conclusões: a primeira era que se considerava caro. "O preço é uma variável importante, sim, mas há certos cortes, como a perna de borrego, que são mais acessíveis", diz Casares.
Outra razão é que o consumidor associava o borrego a ocasiões festivas muito concretas, como o Natal. E, desde há algum tempo, assegurava que o borrego tinha um sabor muito intenso, demasiado forte. O que não se conhecia, aponta Casares, é que "durante muitos anos, vinha sobretudo produto de fora, de países como a Nova Zelândia ou Irlanda, e não se identificava bem". Esta carne importada, relata a directora de Interovic, procedia de animais "com mais de 20 quilos", quando em Espanha o borrego pode-se comer desde os 7 quilos. Assim, o sabor entre um animal e outro é muito diferente. Para que o consumidor identificasse porque um borrego era mais saboroso, tinha que lhe fazer saber que era espanhol.
Uma carne de "maior qualidade"
Além disso, as pessoas percebiam que o borrego é difícil de cozinhar . Casares acha que não tem porque ser assim, porque há determinados cortes "muito simples", que se podem preparar inclusive grelhados. Basta pedir-lhe ao talhante que faça filetes de determinadas partes. Mas para isso, claro, há que ir ao talho. "Todo o consumo de carne está a cair, mas as pessoas são mais selectivas e cada vez mais procuram carne de maior qualidade", argumenta Casares.
Este poderia ser o seu trunfo: o borrego destacar-se-ia não só pelo seu sabor, mas sim porque a criação de gado pastoril é altamente sustentável. "Trata-se de uma criação de gado que ajuda o meio rural. Quando comes borrego espanhol, apostas no nosso campo e nos nossos povos", argumenta Casares, consciente da crescente sensibilidade ambiental e demográfica. As ovelhas, conta a perita, ajudam também a prevenir incêndios de forma natural, já que acedem a zonas delicadas. Mas tudo isso pode acabar. "Temos metade dos pastores que há 20 anos. Esta carne só sobrevive se se consome", afirma a responsável pela Interovic.
Pouca gordura
Os maiores consumidores são os ccatalães, os aragoneses, os castelhanos e os habitantes da região do Levante. Quanto às zonas produtoras, destaca Extremadura. Além disso, o crescimento das IGP também ajuda a promover o valor deste alimento. "As pessoas estão conscientes do que implicam as denominações de origem no caso do queijo ou do vinho", compara Casares, que aponta também a pouca gordura que têm os animais jovens, o que os converte num prato mais saudável que outros mais populares.
Desde 2015, Interovic realiza formações com profissionais, talhantes e cozinheiros para ajudar a que o borrego regresse. "As pessoas ficam impressionadas com a sua versatilidade", conta Casares. Contudo, está mais presente em talhos que em supermercados , e "é difícil que o talhante tradicional mude a sua mentalidade", admite. O consumidor médio de borrego, segundo a perita da Interovic, tem "de 50 anos para acima", pelo que todo o sector enfrenta um enorme desafio de rejuvenescer a procura.
Rota do Paquito
Para conseguí-lo, a Interovic jogou a carta da hotelaria e inventou a Rota do Paquito, que é o nome que recebe uma original sandes com carne de borrego que reclama a sua especificidade, como a tem o pepito de vitela. "Está a funcionar muito bem, mas a verdade é que quando a criámos fomos... tentar a nossa sorte", reconhece Casares com optimismo na voz. "Pensamos 'porque não', desenvolvemos o material promocional, contamos com o trabalho de uma ilustradora… e lançamos a proposta. Dos 10 bares que inicialmente iam ser em Madrid, converteram-se em mais de 70. Hoje são mais de 500 em toda a Espanha", conta.
Um desses bares é La Embajada de Embajadores, no bairro de Lavapiés, em Madrid. Este estabelecimento ganhou o prémio da melhor Paquito da capital no passado junho. Mais recentemente, em janeiro, na feira Madrid Fusión apresentaram-se os melhores Paquitos de Madrid, bem como um showcooking de receitas desta carne "saborosa, saudável e sustentável". A sua filosofia é tradicional, sem fanfarronice: "Uma sandes de borrego nacional sem mais pretensão que te fazer um pouco mais feliz".
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