Simplificar as coisas não é uma tarefa singela. E menos ainda quando há muitos interesses em jogo. Um exemplo disso é Nutriscore, o sistema de etiquetado frontal pelo que aposta o Governo para fazer mais compreensível a informação nutricional de alimentos e bebidas. Seu funcionamento baseia-se num algoritmo que atribui pontos positivos e negativos aos produtos em função da percentagem que tenham de determinados elementos. Essa valoração resume-se e expressa-se de forma gráfica com uma escala de cinco cores --do verde ao vermelho-- e cinco letras --da À a E--. Isto é, sintetiza os dados num simples semáforo de letras e cores para indicar ao consumidor se o artigo que vai comprar é mais ou menos saudável. No entanto, há quem põe em entredicho o entendimento do sistema por parte dos utentes e é um dos pontos que mais divisão gera entre os nutricionistas em Espanha.
No final de 2020, a Federação Espanhola de Sociedades de Nutrição, Alimentação e Dietética (Fesnad) --que agrupa a oito das principais sociedades científicas nacionais na matéria-- publicou um documento no que se posiciona na contramão desta ferramenta. No entanto, três das organizações que integram o grupo decidiram não o subscrever porque não estão de acordo com várias das afirmações que se recolhem no texto. Entre elas figura que o sistema não é entendible para o utente médio, algo com o que as entidades díscolas não concordam. Mas há mais. A criação de um comité independente que avalie de forma mais exhaustiva a implementação da ferramenta ou a inclusão de informação relativa à sustentabilidade dos produtos são outras questões sobre o tapete. As entidades que não assinaram o relatório foram a Sociedade Espanhola De Nutrição Comunitária (SENC), a Sociedade Espanhola de Endocrinología e Nutrição (SEEN) e a Associação Espanhola de Licenciados, Doutores e Graduados em Ciência e Tecnologia dos Alimentos (Alcyta).
Estudos avalan que os consumidores sim que o entendem
Uma das afirmações que se faz no documento de Fesnad é que não existem estudos científicos com utentes espanhóis que demonstrem a compressão e a transparência da ferramenta. "Isto não é verdadeiro", asevera a Consumidor Global Ana Zugasti, vogal de comunicação e membro do área de Nutrição da SEEN. Para desmontar esse argumento, a experiente remete a um estudo realizado em fevereiro do ano passado no que se comparam cinco etiquetados frontais diferentes em população espanhola. Mais especificamente: Nutriscore, o sistema de classificação de estrelas de saúde, o semáforo múltiplo, as ingestões de referência e os símbolos de advertência. "Nutriscore foi o etiquetado frontal mais eficiente --para informar sobre a qualidade nutricional dos alimentos-- entre os consumidores espanhóis", asevera Zugasti.
Quanto a sua utilidade, esta experiente também acrescenta que uma equipa do Centro de Investigação Biomédica em Rede da Fisiopatología da Obesidad e Nutrição (Ciberobn) --adscrito à Universidade de Navarra-- "tem demonstrado que o sistema funciona em Espanha. Tal como está prevista sua implantação, quanto pior era a pontuação nutricional –isto é, de uma menor qualidade-- mais aumentava o risco de mortalidade prematura". Por enquanto, esta etiqueta frontal que complementa a informação nutricional é voluntária. Não obstante, já se pode ver em alguns produtos dos supermercados. "O consumidor tem ido reconhecendo e familiarizando com essa proposta, que quiçá seja a mais singela, e o foi identificando razoavelmente bem", asevera a este médio Carmen Pérez, presidenta de SENC.
Não é perfeito, mas "é o melhor que há agora mesmo"
Jordi Salas é catedrático de Nutrição da Universitat Rovira i Virgili e presidiu Fesnad entre 2010 e 2015. "Desagrada-me que uma federação como esta tenha podido fazer um posicionamento sobre uma questão como esta quando o documento só o assinaram a metade mais um de todas as organizações que a integram", asevera este experiente a Consumidor Global. Em sua opinião, Nutriscore "não é uma ferramenta perfeita", ainda que aponta que a dia de hoje é a que "melhor se entende de todas". Sobre isso, recalca que desde faz anos são várias as entidades e agrupamentos de utentes que se queixam das dificuldades para compreender a informação das etiquetas actuais.
De facto, Salas é um dos autores do estudo mencionado dantes e no que se comparam outras ferramentas similares. "Permite aos utentes fazer uma melhor cesta de compra-a desde o ponto de vista nutricional. Se utilizássemos este algoritmo para comprar evitar-se-iam muitas mortes", afirma.
Criar um comité científico independente
Uma das sombras que se cierne sobre a discussão em torno da valia ou não do etiquetado frontal que defende o Governo atañe à pressão dos lobbies da indústria alimentar. Sobre isso, a presidenta de SENC assinala que há interesses tanto a favor de que se implante, como na contramão. Nesse sentido, a experiente Pilar Galã, que faz parte da equipa de investigação em epidemiología nutricional da Universidade da Sorbona de Paris, assinala sem tapujos às empresas que conformam ambos bandos. Assim, por exemplo, assinaturas como Coca- Bicha, Pepsi, Mars ou Ferrero são contrárias a Nutriscore.
Ante esta situação, a presidenta da SENC defende a necessidade de um "comité científico realmente independente que faça uma avaliação neutra da proposta". Nessa linha de busca de consensos, aponta que também faz falta que se escute a todos os sectores envolvidos. "O interesse final desta ferramenta deve ser que à gente lhe sirva para ter uma alimentação mais saudável", recalca Pérez.
Não se podem exigir impossíveis a Nutriscore
No relatório de Fesnad assinala-se, entre outras questões, que a valoração dos alimentos que realiza Nutriscore não diferencia a quantidade e a qualidade das gorduras presentes nos mesmos. Essa reivindicação é outro dos motivos pelos que SEEN não subscreveu o documento da federação. "Não se pode exigir que figure no etiquetado frontal --Nutriscore-- o que o regulamento não exige previamente no etiquetado nutricional", sublinha Zugasti. Em outras palavras, a queixa de Fesnad não se sustenta.
Nessa linha também se manifesta Salas, que assinala que a valoração sobre a qualidade dos produtos que reflete Nutriscore parte da informação nutricional do produto. "A Comunidade Européia não obriga a pôr na etiqueta o açúcar acrescentado aos alimentos, o tipo de proteína e também não a quantidade de gorduras monoinsaturadas. Oxalá estivesse, porque poder-se-ia melhorar o algoritmo de Nutriscore, mas não é assim", recalca.
Polémica com o azeite de oliva
Outra polémica que tem orbitado ao redor desta ferramenta nos últimos meses tem que ver com a solicitação de sacar ao azeite, ao presunto ibério e ao queijo do etiquetado Nutriscore. Quanto aos dois últimos, o Ministério de Consumo pronunciou-se na contramão de sua exclusão, enquanto o azeite de oliva sim que se livrou.
A presidenta da SENC considera que não se pode demonizar ao azeite, ainda que sublinha a precisem de compreender que, ainda que se trate de uma gordura de uso preferente, deve se consumir em quantidades moderadas. Por sua vez, Zugasti, de SEEN, considera que o azeite "não está penalizado em Nutriscore" e não compartilha a polémica criada. "Classifica-o com um C por seu contribua calórico. É a melhor pontuação entre as gorduras acrescentadas destinadas à condimentación ou cocción e entre azeite-los vegetais. Está melhor classificado que os de soja, girasol e milho (classificados com o D). Também melhor que os de coco ou palma (E) e que a mantequilla (E)", defende. Nesse sentido, destaca que o consumidor precisa poder comparar a qualidade nutricional dos alimentos dentro da mesma categoria.