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A grande "fraude" do mel que se infiltra nos supermercados espanhóis
Muitos dos frascos que se podem comprar nas grandes superfícies e com preços reduzidos são misturas adulteradas procedentes da China e de baixa qualidade
Em casa de ferreiro, espeto de pau. Assim que o provébio descreve o paradoxo de que faltam certas coisas onde deveriam ser abundantes, como é o caso do mel de qualidade nos supermercados nacionais. Espanha é o principal produtor da União Européia e os seus apicultores gozam de prestígio internacional. No entanto, os consumidores encontram nos lineares produtos adulterados que, no geral, provêm da China. O problema é que os utilizadores desconhecem esta situação e não recebem a informação necessária para fazer uma compra consciente.
Um mel 1 % de origem nacional e 99 % procedente da China ou outro país pode-se encontrar no supermercado como "fabricado em Espanha", garante a este meio Mario Fernández, porta-voz da Associação Espanhola de Apicultores (AEA). No entanto, o cliente desconhece estas percentagens porque a lei vigente não exige que sejam refletidos no rótulo. "É uma fraude para o consumidor", afirma Josep María Clariá, responsável pela apicultura da Unión de Uniones de Agricultores y Ganaderos.
Adulteração
"Todo o mel comercializado cumpre com as padrões de qualidade estabelecidos a nível nacional", afirma Juan Carlos Álvarez, presidente da Associação de Apicultores da Comunidade de Madri (Apiscam). No entanto, a qualidade do produto que se encontra nos supermercados deixa muito a desejar. Muitas das grandes empresas de embalagem pegam numa pequena porção de mel nacional e misturam-na com a procedente da China ou de outros lugares. Estas últimas, muitas vezes estão adulteradas com xaropes de arroz ou de milho, entre outras substâncias. "Se tens um mel que basicamente é um xarope e o misturas com um de alta qualidade, consegue-se um produto que pela regulamentação pode ser vendido como mel", explica Álvarez.
A razão fundamental pelo que são feitas estas misturas está no preço final para os consumidores. Assim, os produtores em Espanha recebem 3,25 euros pela cada quilo de mel, enquanto a mesma quantidade procedente da China é paga a 1,25 euros. Isto significa que nas grandes superfícies um frasco deste produto se possa encontrar por 4 ou 5 euros o quilo, quando se fosse 100% nacional custararia entre 10 e 12 euros, um preço menos atraente para os clientes.
Perda de propriedades
Outra das consequências da confeção destas misturas é que o mel perde boa parte de suas propriedades devido ao superaquecimento do produto. "É feito a uma temperatura superior a 45 graus, a partir da qual perde as enzimas que possui e suas vitaminas. Alteram-se as qualidades e vendem-se soros em vez de mel", defende Fernández, o porta-voz da Associação Espanhola de Apicultores.
Um relatório apresentado no Parlamento Europeu em fevereiro de 2018 investiga nesta questão. O documento reflete que 20% das mostras de mel analisadas nas fronteiras exteriores da União Européia não cumprem "os critérios de composição ou os procedimentos de produção" estabelecidos nos regulamentos comunitários e, além disso, 14 % continham açúcar adicionado. O mesmo texto também indica que "o mel é o terceiro produto mais adulterado no mundo", algo que além de prejudicar os produtores europeus, "significa importantes riscos para a saúde dos consumidores", alerta.
Uma mudança normativa ineficaz
O Governo aprovou em maio de 2020, em pleno confinamento, uma modificação do regulamento sobre a qualidade do mel. "Deverão mencionar no rótulo o país ou os países de origem nos que o mel e, quando for o caso, as misturas tenham sido recolhidas", indica o Real Decreto. No entanto, o setor considera que esta medida é ineficaz e inclusive alguns a chamam de "piada". O motivo é que no rótulo agora reflete o país de procedência do mel que faz parte da mistura, mas não as percentagens, que seria a informação mais valiosa para o consumidor. "Refletir isso é muito difícil por questões de rastreabilidade e por isso não complicaram a vida. As coisas realmente não foram facilitadas", afirma o presidente da Apiscam.
Na verdade, a modificação da norma também não tem impato sobre outro fenómeno que atormenta os apicultores nacionais: a triangulação do mel. "A China vende a outros países da União Européia e depois estes revendem-no em Espanha, pelo que na origem do produto já não aparece China, mas sim o país do Estado membro em questão", explica Fernández.
Exporta-se a boa e compra-se a má
Em Espanha existem cerca de 35.000 apicultores, embora os que se dedicam a isso de forma profissional são apenas 5.500, detalha Fernández. A produção cobre quase toda a procura nacional, no entanto, dá-se o paradoxo de se importar uma boa quantidade de mel, principalmente da China, o maior fornecedor da União Européia. "Exportamos mel da melhor qualidade para Europa e os países árabes, enquanto importamos outro de pior qualidade", queixa-se nesse sentido Álvarez, o presidente da Apiscam. Alguns dos principais destinos dentro do Velho Continente são a França e a Alemanha, regiões onde o mel espanhol é muito bem apreciado e onde o quilo se paga a uns 15 euros.
Além de todos os problemas discutidos, há outro efeito colateral da importação de mel barato e de qualidade inferior. Se as dificuldades para o sector se agravarem, os especialistas apontam que existe a possibilidade de que se reduza a quantidade de abelhas no país. Isso tem impato na diminuição da polinização, algo que pode ter efeitos desastrosos sobre o meio ambiente e afetar a toda a cadeia de produção de alimentos. Assim, para animar as vendas do produto nacional e amenizar a situação, do sector apontam que, hoje, o último baluarte que os consumidores têm para encontrar mel 100% espanhol são os comércios de proximidade. "O melhor é ir aos apicultores locais e de confiança", aconselha Fernández.
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