O dinheiro não traz a felicidade e, pelos vistos, também não livra da exposição aos poluentes químicos. Na verdade, a hipótese é mais o contrário. Segundo um estudo europeu realizado pelo Instituto de Saúde Global de Barcelona (ISGlobal), as famílias com uma posição socioeconómica mais confortável apresentam uma maior exposição aos químicos tóxicos em comparação com as pessoas com menores rendimentos.
A dieta, o uso de cosméticos e outros fatores explicam este fenómeno, detalha à Consumidor Global Léa Maitre, uma das autoras do estudo. "As famílias com um nível socioeconómico mais alto têm dietas ricas em pescado, que acumula alguns químicos contaminantes como o mercúrio, o arsénico ou as substâncias perfluoroalquil adas (PFAS)", assegura a cientista francesa.
O pescado e o mercúrio
O último relatório sobre consumo alimentar elaborado pelo Ministério de Agricultura, Pesca e Alimentação corrobora que o perfil de "consumidor intensivo" de pescado em Espanha corresponde ao dos lares com uma classe socioeconómica alta e média-alta. Segundo esse mesmo documento, o consumo por pessoa em 2019 neste tipo de lares foi, em media, de 27,98 quilos, isto é, 5,5 quilos mais que a média nacional.
Quer dizer isto que o consumo de pescado é perjudicial? Em absoluto. Na verdade, a Autoridade Européia de Segurança Alimentar (EFSA) associa o seu consumo durante a gravidez a efeitos benéficos ao desenvolvimento neurológico das crianças e à redução do risco de mortalidade por doença coronária em adultos. No entanto, há alguns tipos de pescado que acumulam mais mercúrio que outros. "Os que estão ao final da corrente alimentar --isto é, os predadores que se alimentam de outros peixes-- apresentam maiores níveis", explica Maitre. De facto, a Agência Espanhola de Segurança Alimentar e Nutrição (AESAN) destaca que os peixes com mais mercúrio são o peixe espada, o atum vermelho, o tubarão (cação, sardo, tubarão espinhoso e tintureira) e o pique.
Fome e obesidade, duas caras de uma mesma moeda
Carmen Vidal é catedrática de Segurança Alimentar e Bromatología da Universidade de Barcelona e destaca que o pescado, por ser mais caro, consome-se mais entre as famílias com um maior poder aquisitivo. Porém, apesar de que as pessoas com menos recursos estarem, por este motivo, menos expostas ao mercúrio, alerta que "nas sociedades com níveis socioeconómicos e culturais mais baixos há uma maior incidência da obesidade e das doenças crónicas não transmissíveis, como diabetes, colesterol e hipertensão".
Nesse sentido, a especialista assegura que diversos estudos apontam que as famílias com este perfil costumam consumir mais pratos preparados devido a uma questão de tempo, de hábitos e de dinheiro. "Nestes casos as pessoas têm outras prioridades e consomem poucos produtos frescos, que são mais caros, e poucas frutas e verduras", acrescenta.
Verduras frescas e pesticidas
O estudo de ISGlobal realizou-se com dados obtidos em seis países europeus (Espanha, França, Grécia, Lituânia, Noruega e Reino Unido) e recolheram-se várias mostras de urina e de sangue de 1.300 grávidas e os seus filhos para ver as concentrações médias dos 41 contaminantes químicos avaliados. Além disso, as mães preencheram questionários sobre seu nível educativo, profissional e de riqueza familiar. Assim, as frutas e verduras foram outros dos elementos característicos na dieta das pessoas com mais rendimentos. E, como acontece com o pescado, os dados do Ministério de Agricultura também coincidem neste ponto. "Os maiores consumidores de fruta fresca são os indivíduos de classe alta e meia-alta, com uma ingestão que supera a média nacional em 17% e supõe uma quantidade de 15 quilos a mais por pessoa e ano", sublinha o relatório dirigido por Luis Planas.
Segundo Maitre, o consumo deste tipo de alimentos está associado a uma maior exposição a diferentes pesticidas. "Apesar disso, o consumo de frutas e verduras frescas é recomendável porque seus valores nutricionais são mais benéficos e importantes que o ónus químico que possam ter", sublinha a pesquisadora. Enquanto, a catedrática Vidal assinala que, apesar de que os pesticidas terem muito má fama e não deixarem de ser contaminantes, o seu efeito é maior sobre o medio ambiente que sobre as pessoas. "Os pesticidas estão muito regulados e não se podem usar em qualquer produto nem em qualquer dose", sublinha.
Os tóxicos mais associados às classes baixas
No entanto, dos 41 químicos tóxicos analisados no estudo da ISGlobal nem todos têm maior prevalencia entre as classes altas. Os resultados apontam que nos níveis socioeconómicos mais baixos há maior risco de exposição ao chumbo e ao cádmio.
Quanto ao primeiro contaminante, Maitre explica sua ligação com as casas mais antigas, em que foram feitas menos renovações ao nível da pintura ou da canalização, elementos que podem incluir o chumbo entre os seus componentes. Por outro lado, a maior exposição ao cádmio deve-se ao consumo do tabaco. Nesse sentido, o último relatório anual do Sistema Nacional de Saúde, apresentado no final de dezembro de 2019 pelo Ministério de Previdência, afirma que os homens de classes mais altas fumam menos que os de classes baixas, enquanto entre as mulheres não há um padrão tão claro.
Possíveis efeitos sobre a saúde
Por sua vez, Martine Vrijheid, investigadora e coordenadora do estudo da ISGlobal --um centro impulsionado pela Caixa--, destaca que muitos dos contaminantes químicos analisados "são suspeitos de ter um impacto negativo na saúde infantil e adulta".
Nesse sentido, apesar de que as famílias com rendas altas estarem mais expostas a determinados contaminantes químicos, isso não quer dizer que tenham mais problemas de saúde. "Quando se estuda a saúde das crianças, em geral, não se tem em conta a classe social de sua família. Pode ser que a mesma exposição a contaminantes químicos que se dá numa família rica tenha piores consequências numa com um nível socioeconómico mais baixo", conclui Maitre.