Juan Parés tem uma mirada serena, que às vezes parece se acender de confiança e às vezes de uma suspeita sã, reflexiva. Quando sua resposta é categórica, não alça a voz para dar empacotamento a seu argumento. Quando dúvida, não susurra. Hilvana uma ideia com outra com macieza, e às vezes surpreende com uma referência ou uma cita (ao filósofo Byung-Chul Têm, por exemplo). A moda, escutando-lhe, parece desde depois algo sério, mas não imprescindível nem enrevesado.
Parés é o presidente do Observatório do Sector Têxtil e da Moda, uma entidade que aúna a duas patronales, a Confederação Moda Espanha e o Conselho Intertextil. Também é o conselheiro delegado de Têxtil Santanderina, uma entidade nascida em 1923 que fabrica fibras, tintes e acabamentos que depois compram titanes da indústria como Inditex, C&A ou Pepe Jeans. No exercício 2022 facturar uns 95 milhões de euros.
–Que é para você a moda?
–Uma pergunta complicada para começar. Tenho pensado muitas vezes em isto, em que é realmente a moda, e acho que é algo que une às pessoas dentro de certos sentimentos, de imagens. Que cria meios similares em torno dos quais a gente se identifica.
–Na apresentação do relatório A contribuição do retail têxtil à economia espanhola, que a Associação Retail Têxtil Espanha (ARTE) celebrou em maio, a indústria sacou peito e explicou que o sector do comércio têxtil representava o 1,62% do PIB espanhol. Acha que esta cifra manter-se-á, aumentará ou diminuirá nos próximos anos?
–Acho que neste momento o mundo da moda está a desenvolver-se de maneira adequada. Está a fazê-lo sobre a base de uns princípios que se mantêm, como a criatividade e a adequação do produto às tendências que marca o mercado. E ademais, agora se acrescentam conceitos novos, mas antigos ao mesmo tempo, que são os de sustentabilidade e circularidad. Em minha opinião, esses conceitos vão dar-lhe mais profundidade à moda e vão permitir que o consumidor vá entendendo de um modo diferente, com uma consciência colectiva maior. Isso fará que a moda possa seguir crescendo de uma maneira mais sólida, sem tantos… altos e baixos.
–Falando de sustentabilidade , durante a apresentação do relatório, a ministra María Jesús Montero fez uma referência às plataformas chinesas, como Shein. Você acha que o sector da moda deveria fazer mais esforço por explicar que implica realmente comprar nestas empresas de moda ultrarrápidas?
–Eu creio na liberdade de mercado, e entendo também que legislar tem que implicar macar os terrenos de jogo nos que se pratica essa liberdade. Portanto, entendo que o há que ter é um marco que seja comum para todos os actores, independentemente de onde vinga a mercadoria. O que tem que passar em Europa, a meu entender, é que o que marque a legislação seja respeitado por todos pára que tenha certa igualdade de concorrência com respeito aos sistemas de produção, isto é, a RSC, as pessoas, que para mim são tão importante como o meio ambiente ou mais.
Falamos de que tenha igualdade quanto às normas que regulam os usos do água, de colorantes, de produtos químicos, de tipos de material… Imagino que com a nova legislação que se está a desenvolver em Europa no marco 2030, que implicará uma maior traçabilidade da prenda para saber de onde vem e como está feita, poderemos entrar numa nova era do comércio têxtil. E isso, aos produtores europeus, nos vai permitir ser mais competitivos.
–Neste sentido, acha que a marca Espanha valoriza-se o suficiente dentro do país?
–Todo o que seja valorizar um produto criando identidade, lhe dando um selo, é positivo. E mais se queremos internacionalizar esse produto. Juntos somos bem mais fortes que indo de maneira individual. E se estamos juntos, como o estamos no Observatório Têxtil, teremos muitíssimas mais possibilidades de conquistar coisas que se a cada companhia vai por livre. De modo que estou convencido de que temos que potenciar a marca Espanha com muito trabalho e muita humildad. Espanha tem uma imagem de criatividade, de imaginación, de história, que podemos aproveitar em muitos sentidos.
–Kantar publicou recentemente um relatório no que falava de estancamento e dos efeitos da inflação no sector da moda. Segundo esta análise, a quantidade de dinheiro que o consumidor espanhol gasta em roupa se reduziu um 30% com respeito ao ano 2008. Isto representa uma ameaça para o sector?
–Há vários pontos de vista. Evidentemente, nos últimos anos a moda não está sozinha no mundo do consumo como opção de satisfação de emoções. As diferentes marcas de moda não só competem entre elas, sina que todas competem a sua vez com aplicativos tecnológicos, com viagens a uns preços muito razoáveis, com sistemas de entretenimento que estão ao alcance de todos… Isto é, o mundo se está a transformar e evolui. E os gustos de consumo também variam.
A juventude também tem evoluído, e compreende as coisas de outra maneira. Um dos esforços que tem que fazer a moda é precisamente se acercar bem mais ao consumidor para lhe entender. E transformar-se desde essa óptica, não desde o que pensamos os que fazemos moda, sina pôr no lado do consumidor, lhe entender e comunicar de uma maneira bem mais activa. Acho que a formação, não dos jovens que hoje já são consumidores, sina dos que o vão ser, é fundamental. As mudanças estruturais não se produzem em cinco anos, de modo que convém trabalhar a educação no respeito pelas coisas e na forma na que se fazem. Há que dedicar recursos à formação: o que conhece sabe apreciar as coisas. Se não, é muito difícil fazer um julgamento de valor sobre um tipo de produto, um material ou uma companhia.
–O relatório também fala transparência, mas ainda ocorre que, quando um comprador navega pelo site de Scalpers ou de H&M e se interessa por uma prenda, não sempre pode ver onde está fabricada.
–Quando falo de formação não falo somente da formação do consumidor. Falo de muita formação na indústria da moda. Isto é, também há que mudar a cultura dos que fazemos moda, porque isto vai em dois direcções. Aqui todos temos responsabilidade, e quiçá tenhamos mais os que estamos na parte da produção, a criação e a distribuição. A ideia é que os que temos que dar mais passos adiante somos nós, e se está a dar: estamos a usar muitíssima menos água, temos passado a usar uma elevada percentagem de energias limpas, os materiais e as fibras são bem mais sustentáveis… Está a mudar a mentalidade.
–Que dizer-lhe-ia ou aconselharia ao comprador de roupa em Espanha?
–Não, eu não sou ninguém para dar conselhos. Posso dizer o que eu tento fazer, que é ser consequente com os pensamentos que tenho. Acho que é importante ser consequente na vida, não só nos actos de consumo. Agora bem, o consumidor espanhol tem que ser consciente do que se jogam tanto ele como seu país quando faz um acto de consumo, já seja em têxtil, em carne ou num automóvel. E a partir daí, ter a liberdade para tomar a decisão que considere. Mas se um fala de sustentabilidade, depois tem que comprar sustentabilidade. Se um acha que tem que fazer um esforço para manter uma indústria, tem que ser consequente com isso. Vão julgar-nos por nossos actos, não por nossas palavras.