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Jamileth, empregada do lar: "Cuida de quem cuida-te, não me pagues em B e me dá intimidem"

As decisões de contratação de serviços domésticos têm um impacto directo nas condições trabalhistas: exploramos temas como o pagamento digno ou a importância de respeitar os horários

Ana Carrasco González

Una empleada de hogar limpia con una fregona RICARDO RUBIO EP

Em 2011 Jamileth Chavarría abandonou seu Nicarágua natal, deixou-o todo e se afastou de sua família. A precariedade impulsionou-lhe a procurar oportunidades de trabalho em Espanha, onde não demorou em dar com um como empregada do lar interna. Por aquele então, seu desconhecimento dos direitos trabalhistas e as condições nas que se encontrava a sumiram numa difícil realidade durante quatro anos. Dormindo num colchão atirado no salão de uma casa alheia e realizando tarefas fora de seu horário, sem protecção social, Jamileth experimentou uma situação de desamparo que reflete as dificuldades deste trabalho.

Em 2017, uniu-se à Comala, uma cooperativa sócia de iniciativa social e sem ânimo de lucro. "As empregadas do lar da cooperativa organizamos-nos para ser nossas próprias chefas, administrar os tempos, conciliar a vida e para pôr nossas próprias regras. Seguimos fazendo o trabalho dos lares e os cuidados, mas no Regime Geral. Já não estamos no apêndice do Regime Especial", expõe a empregada a Consumidor Global.

Que é ser empregue do lar?

Segundo a última Encuesta de População Activa (EPA), desde 2012, o número de empregados do lar filiados ao Regime Especial para Empregados do Lar –neste regime, as trabalhadoras cotam em função das horas efectivamente trabalhadas e só o fazem aquelas que trabalham para um empleador durante ao menos 80 horas ao mês–, tem ido diminuindo progressivamente.

Uma empregada de lar organiza a roupa / RICARDO LOIRO - EP

"A empregada do lar faz as tarefas para que a vida de uma família que não é a sua continue tranquilamente. Cuidamos o início e o final da vida, por isso queremos que se respeite nosso labor como um trabalho decente", expressa. "Eu lavo, cozinho, faço a colada, passo, cuido, etc. Até faço de fontanera, ainda que esse não é meu trabalho", realça a empregada do lar a este meio.

'A exclavitud moderna'

"No entanto, o que mais questionamos é o trabalho de interna porque ainda que tenhas duas horas livres nas 24 que dura no dia, o verdadeiro é que não descansas. Terminas dormindo até que a pessoa que cuidas se dorme. Vendemos nosso tempo a mudança de dinheiro, e a vida é tempo", reconhece. "Também é importantíssimo a intimidem. Vives numa casa alheia, mas tens que ter teu espaço. A realidade é que nunca tens tempo para ti", remarca.

A estas condições suma-se-lhes a falta de contratação digna. De facto, segundo os dados da EPA, quase quatro em cada dez empregados do lar trabalha sem contrato trabalhista em Espanha e, por tanto, não estão a cotar na Segurança Social. "O 98% que nos dedicamos ao trabalho do lar e os cuidados somos migrantes e muitas destas pessoas chegam sem os papéis em regra pelo que não se lhes pode fazer um contrato digo que lhes garanta um salário mínimo, o que lhes condena a uma situação de exploração", puntualiza Jamileth

Um contrato digno

Jamileth argumenta que, à hora de contratar a uma empregada de lar, o mais adequado é ir a uma associação ou a uma cooperativa em lugar da procurar através do boca em boca. "O ideal é procurar empresas onde ofereçam a colegas que já têm seus papéis em regra, que vão poder criar uma série de direitos como o direito a desemprego, do direito a férias, o alta no Sistema de Segurança Social, o conserto de acidentes, a tramitação de altas e baixas, o controle e emissão de nóminas, etc", lista.

Uma empregada de lar faz a cama / RICARDO LOIRO - EP

"O salário mínimo da empregada do lar ronda os 1.323 euros ao mês", sublinha a trabalhadora. "É necessário uma nómina que tenha o salário mínimo interprofesional. A cooperativa é a que se encarrega de fazer o contrato, desta maneira, não é necessário que o consumidor se adentre nesse engorroso lío fazendo o contrato a pessoa particular", acrescenta.

'Não me pagues em B'

"Não precisamos empatía, precisamos justiça. Precisamos que os salários sejam reais, que não estamos a pedir peras ao olmo", exige Jamileth. "Muitas de nós ao ver que não chegamos ao mínimo, pedem dinheiro em B. Isto, no entanto, é um grande erro. Estamos a mover o dinheiro fora da hucha. Sim, vou ter um dinheiro extra, mas a costa de que. Nós não estamos a favor do pagamento em B", declara.

Como consumidor, além de oferecer um salário digno e uma contratação justa, dentro do lar também se deve cumprir uns mínimos requisitos. "A confiança é importantíssima. Falar com clareza, que quero de teu trabalho? Que quero que se priorice? Porque às vezes contratam-te duas horas e queres que lhe limpes a casa e em duas horas não se pode. Há que ter consciência na redistribuição dos tempos ao serviço dos cuidados, que não é só limpar a habitação, é também a estimulação emocional", recorda a empregada.

Os requisitos como consumidor

Cony Carranza, oriunda de El Salvador, define-se actualmente como educadora popular feminista antirracista, mas faz 12 anos era uma empregada do lar. "A dia de hoje trabalho com mulheres que estão no trabalho de lar e cuidados, e ajudo a que tenham umas boas condições trabalhistas. Não só elas têm que cumprir uns requerimentos para ser contratadas, também os empleadores devem cumprir uns mínimos", comenta.

Un cartel de
Um cartaz de "procura-se" / FOTO CEDIDA

Para isso, tem criado um cartaz de "se procura", para que aquela empregada do lar possa trabalhar numa situação honrada e respetable. "Procura-se uma família de bem e honesta, que não permita que seus filhos me insultem ou me humilhem. Dar valor aos cuidados. Não à a escravatura moderna. Nem chacha, nem tua garota: trabalhadora de lar. Cuida a quem cuida-te. Meu trabalho não inclui serviços sexuais. Meu dia também tem 24 horas", se pode ler em dito cartaz.

'Não somos robôs de limpeza'

"Não somos robôs de limpeza, é importante humanizar nosso trabalho", sublinha Cony. Cabe destacar que, segundo a EPA, o 95,57% dos trabalhadores do Sistema Especial para Empregados de Lar são mulheres, um 80,75% tem mais de 40 anos, e um de cada dois tem mais de 50 anos, segundo dados do estudo.

"Por que me contratam a mim? porque sou boa cuidadora? ou porque há mais confiança em que o trabalho o realizei melhor uma mulher que um homem? Deveriam de ter mais cuidadores, porque há bons cuidadores, há gente profissional que faz bem seu trabalho. Faz falta essa mudança social? Pois sim, muitas mudanças", reflexiona por último Jamileth.