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Fundação Nantik Lum: "Nossa calculadora social diz-te a que ajudas e bonos tens direito"

Entrevista a Luzia Medina, a diretora da fundação independente que ajuda a mulheres e homens em risco de exclusão social a melhorar sua saúde financeira

Teo Camino

Lucía Medina, directora de la Fundación Nantik Lum, que ayuda a personas vulnerables FNL

Quase a metade dos espanhóis tiveram dificuldades para chegar a fim de mês no ano passado, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). Enquanto alguns políticos dizem que "Espanha vai bem", um da cada dez cidadãos se encontra numa situação de pobreza severa e não pode nem acender a calefacção.

Ante este palco desolador, entrevistamos a Luzia Medina, diretora da Fundação Nantik Lum, uma entidade independente que leva mais de vinte anos trabalhando para melhorar a vida das pessoas vulneráveis através do assessoramento e as formações em matéria de saúde financeira.

--Só dois em cada dez potenciais beneficiários recebe o bono social elétrico… Como pode ser?

--Há muito desconhecimento, por isso em Nantik trabalhamos para promover que os utentes acedam a estas ajudas. Temos a calculadora do bono social, na que pões teus rendimentos, se és família numerosa ou não, e ao instante sabes se podes aceder ao bono social. Também a pomos ao serviço das prefeituras, que às vezes não conhecem todas as ajudas existentes, e fazemos artigos divulgativos. O Rendimento Mínimo Vital (IMV) tem ajudado a muitas famílias, mas ainda há muito desconhecimento sobre ele. Por que demora tanto? Por que não me chega? Efectivamente, muitas ajudas não chegam aos utentes finais.

--Como funciona vossa calculadora?

--É uma ferramenta muito singela de utilizar que está acessível em nossa página site e te permite dar com o kit, serve para saber a que ajudas e bonos tens direito como cidadão, e acumula mais de 30.000 visitas nos últimos dois anos.

--Quais são as ajudas mais desconhecidas pelos potenciais beneficiários?

--Vemos que o IMV está nos titulares, mas à hora do solicitar a gente não sabe se pode o pedir, e é uma ajuda importante. Depois está o bono social, que no INE (Índice Nacional de Estatística) diz que há um 20% de famílias que não podem aquecer sua casa e não solicitam o bono social elétrico. Também há bastantees ajudas às famílias com filhos e às mães por ter uma situação precária, mas, em muitos casos, devido às longas jornadas trabalhistas, são as que menos tempo têm para chegar a essas ajudas, que geralmente não se solicitam.

--O 48,7% da população espanhola teve dificuldades para chegar a fim de mês em 2023…

--Estes indicadores mostram que há vários factores que se repetem nestas famílias. São condicionantes socioculturais. A falta de educação em general e a falta de educação financeira em particular provocam que os utentes não tenham a capacidade de gerir suas finanças correctamente. Os rendimentos são fundamentais, mas também o é a gestão da despesa, o planejamento financeiro, a atitude ante a poupança e a gestão da dívida. Estes são os componentes que trabalhamos com as pessoas em risco de exclusão.

Mulheres do 'Programa Cria' no bairro de Chamberí-Vallecas junto à técnica da Fundação Nantik Lum / CEDIDA

--De que tipo de famílias falamos?

--Costumam ser famílias nas que o ónus da gestão financeira recae em mulheres com poucos rendimentos e pouca formação financeira. Não têm conhecimentos para entrar num processo de endividamento e saber quanta dívida podem assumir. Às vezes, este desconhecimento gera-lhes uma bola de dívida que não podem suportar. As famílias mais afectadas são as monoparentales, num 90% lideradas por mulheres, e as famílias numerosas, segundo as estatísticas do INE. Em Espanha, ter filhos tem um custo bem mais elevado que os rendimentos que somos capazes de gerar em numerosos casos.

--Os salários baixos e o crescente custo da vida complicam o futuro de muitas pessoas...

--Efectivamente. O balanço compensa-se muito mau. Trabalhamos muito com a Prefeitura de Madri e os próprios servidores públicos de serviços sociais dizem-nos que a partir da crise do Covid e com a subida da inflação muitas famílias que nunca tinham ido têm tido que ir pedir ajuda. Neste momento, há salários muito baixos e a vida tem-se encarecido. O bono social e o Rendimento Mínimo Vital têm compensado situações dramáticas, mas ter quase a metade da população que não chega a fim de mês ou a um 37% que não pode assumir despesas imprevistas, que se se lhe rompe a lavadora ou o carro não podem o assumir, não pode ser. A pobreza severa afecta ao 9% da população. É gente que não pode aquecer sua casa nem dar uma alimentação correta a sua família. Tem melhorado a taxa de emprego, mas os salários seguem sendo muito precários com respeito ao custo da vida.

--O consumismo desmesurado no que vivemos instalados também não ajuda…

--Levamos mais de vinte anos trabalhando com estes coletivos e desde faz dez temos projectos de saúde financeira. Demos-nos conta de que não só é um problema de rendimentos, sina que tens que saber em que o gastas. Tens que planificar tuas despesas para que teus rendimentos sejam superiores, ainda que seja por 1 euro. Fizemos programas para mudar a atitude sobre o dinheiro porque não só se trata de ser críticos com o consumismo, sina de explicar como poupar esse euro ao dia para fazer um colchoncito financeiro que te permita não entrar em crise ante qualquer imprevisto.

--Como afecta a pobreza aos cidadãos?

--Melhorar a saúde financeira destes coletivos redunda em seu bem-estar geral e permite-lhes desenvolver um projecto de vida. A gente que não chega a fim de mês dificilmente construirá um projecto de futuro para além de sobreviver. O trabalho com prefeituras e com outras entidades públicas é fundamental para formar às famílias. Também trabalhamos com empresas do âmbito financeiro para que seus trabalhadores promovam seus serviços de maneira responsável.

--Cofidis tem recebido multas milionárias por cometer infracções "graves" à hora de oferecer seus créditos…

--Prefiro não falar de uma entidade financeira mais especificamente porque são muitas as que levam a cabo más práticas. O crédito do consumo não está bem regulado em Espanha. Este crédito rápido permite que se gerem uns interesses sem controle. Há gente à que lhe custam mais os interesses que a própria dívida. São créditos rápidos e não pedem grande coisa, por isso a gente vulnerável cai neles.

--Vão a vocês muitas vítimas desta má praxis financeira?

--Na Fundação Nantik Lum trabalhamos com muitas mulheres que têm contraído uma dívida através de um cartão Revolut, por exemplo, e não sabem como sair dessa situação porque os interesses são mais elevados que a própria dívida. Isto faz parte de entender o que supõe o endividamento e sobreendeudamiento. Por isso também trabalhamos a relação das pessoas com os bancos e recomendamos tratar com um gestor num escritório bancário em lugar de contratar empréstimos por internet. Ademais, não há que ter temor a renegociar uma dívida ou pedir uma solução ao banco.

--Qual é a ferramenta de luta contra a pobreza mais efetiva que ofereceis?

--Nossos programas centram-se no âmbito da saúde financeira e oferecem formação teórica sobre a poupança, a dívida e conceitos como a Taxa Anual Equivalente (TAE) de um empréstimo, e a prática através do acompanhamento. O Programa Cria de saúde financeira consiste em grupos de mulheres que querem melhorar suas finanças. Trabalhando em grupo analisam seus hábitos de consumo e melhoram-nos sobretudo através do planejamento, que é chave. Semanalmente revisam qual tem sido seu comportamento financeiro e juntos trabalhamos a relação com seu banco, como gerir suas finanças digitalmente ou sua relação com a publicidade. Ao final, o marketing muitas vezes é enganoso.

Interior de um economato social de Sevilla / FAYEC

--A que anúncios se refere?

--Refiro-me a esse tipo de mensagens que te dizem que podes solucionar teus problemas imediatamente de uma maneira muito singela, mas depois descobres que o contrato e a letra pequena não é fácil de interpretar e esconde cláusulas pouco favorecedoras.

--Uma das grandes problemáticas de muitos cidadãos é o sobreendeudamiento, pode-se prevenir?

--Há várias ferramentas úteis para calcular teu limite de endividamento. Ao final, trata-se de entender para que serve endeudarse e quando o endividamento pode ser perjudicial para o médio prazo. São cálculos que trabalhamos com os utentes.

--Como podem colaborar os cidadãos que queiram ser voluntários em Nantik?

--Procuramos profissionais de qualquer sector para acompanhar a empreendedores e empreendedoras que precisam apoio em questões de marketing ou temas legais. Que lhes pedimos aos voluntários? Que tenham conhecimento empresarial ou em finanças, esse componente social, pois vão receber a pessoas com um bagaje muito diferente ao seu, e um pouco de tempo para acompanhar nestas assessorias e formações. Qualquer pessoa que esteja disposta a dedicar seu tempo aos cidadãos vulneráveis e tenha conhecimentos nestas matérias é bem-vinda.