"A maioria da gente compra minhas obras sem vê-las", relata Emma Clarós, a artista catalã que cria sonhos de papel em seu estudo de Madri.
Emma faz o papel a mão. Com papel, lino e algodão, em função da obra, pinta quadros com relevo, perfeitamente imperfectos, harmônicos, evocadores, únicos. Umas peças onde as luzes dialogan com as sombras. Umas sombras que se movem ao ritmo da luz. Um reflexo, o da luz cambiante das horas do dia, que transforma seus quadros num elemento essencial da beleza de nosso lar.
--Recorda qual foi seu primeiro contacto com o mundo da arte?
--As peças nos espaços do Macba tantas vezes frequentados. Não saberia especificar um marco temporário… Estava no colégio e queria fazer arte. O meu era desenhar, desenhar e fazer manualidades.
--Foi psicóloga durante um tempo…
--Por vicisitudes da vida, fiz psicologia clínica e psicologia forense focadas em infantil. Montamos uma pequena empresa com outra sócia, mas eu sofria a cada vez que tinha que ir a julgamento. Sofria pelos meninos, porque o juiz escutasse-nos e preocupasse-se por seu bem-estar. Também estive nO atrapa, como gestora de contas, e o trabalho era divertido, mas eu sempre pensava: a vida passa e sento que a estou desperdiciando.
--Precisava uma mudança?
--Posso contribuir mais, pensava. Sabia que tinha um talento oculto. Por isso nunca deixei de fazer coisas criativas. Precisava-o. Não queria que essa parte permanecesse dormida. Todo o dia lia livros e revistas de arte e decoración. Fazia cursos e estava ao dia de tudo, mas com dois filhos pequenos não me era possível fazer a mudança. Não nesse momento. E sentia um mal-estar… Custou-me muito o momento de romper.
--Quando decide deixar seu trabalho e ser artista?
--Quando nos mudamos a Madri com meu marido pensei: agora é o momento. Deixei o trabalho e tomei-me dois meses para pensar. Que quero fazer? Apontei-me a classes de pintura e de cerâmica, e a cada amanhã sentava-me e pensava ideias. Surgiram mil. Desde pôr-me a estudar interiorismo, ainda que não era muito factível com dois filhos, até fazer ecrãs de lustres, montar um anticuario e mais mil opções. Ao final, decidi fazer algo que gostasse a de mim e me pus a fazer quadros.
--Quadros de papel…
--Eu sabia que não era tão boa pintando. Tinha facto muitos anos de classes, mas conhecia o que faziam todos os pintores jovens de Madri e pensei: serei uma mais. Tinha que fazer algo muito diferente. Algo metade quadro, metade escultura. Tem que ser algo com uma técnica muito específica. Quadros que saiam do quadro. Pensei de que materiais me podia servir e dei com o papel.
--Por que o papel?
--O papel pode parecer um material muito singelo, mas permite-te jogar muitíssimo. Podes fazer o que queiras. E comecei a experimentar. Tudo de forma autodidacta até que vi que o papel ia ser o protagonista de minha obra.
--Que fez então?
--Aprendê-lo tudo sobre o papel. Apontei-me a uma oficina onde se fabrica o papel desde zero com todo o tipo de fibras européias e de Ásia. Meti-me de cheio e ia experimentando em casa. Tinha que encontrar um estilo. Queria que quando uma pessoa visse uma obra minha soubesse identificar de quem era ao instante. Experimentava em procura de uma identidade própria e apostei-o tudo a essa linha. Pesquisei, provei e, após médio ano fazendo obras, encontrei meu estilo. Tinha claro o do papel e decidi enmarcar em metacrilato para que se possa ver o volume desde diferentes perspectivas. Quis dar-lhe um toque mais rompedor ao papel, que é um material rústico, e segui meu caminho. Assim foram os inícios.
--Dizem que os inícios nunca são fáceis…
--A transição, desde que deixei meu trabalho até que encontrei meu estilo, foi complicada. Mas depois tudo fluiu de uma maneira muito orgânica. Lancei a página site em maio e em junho escreveram-me de Shanghái para expor ali. Ao pouco tempo expus na Fundação Pons de Madri. Sem que soe presuntuoso, poderia dizer que minha obra gostou desde um princípio e todo tem ido bastante só.
--Qual é sua última obra?
--Faz uns dias senti que precisava criar algo novo. Queria fazer algo diferente e me pus a procurar formas novas. Tenho o estudo em casa e milhares de papéis de médio mundo, além dos que faço eu. Poder-se-ia dizer que minha casa é uma papelaria. Provo, refaço, descarto. Nesta semana dei com um livro de teias em casa de minha irmã e descobri uns padrões que me fascinaram. Às vezes funciona assim e outras vezes encontras formas na rua, nos edifícios ou num sofá. Consiste em procurar essas formas e pensar como transladar com um volume determinado e um papel concreto. Normalmente sucede assim. Vou-me ao bosque com os meninos, vejo uma folha, dou-lhe uma volta e imagino como lhe dar forma com papel.
--Algumas de suas obras são tridimensionais e criam um sugerente jogo de luzes e sombras, como as da série Chess…
--A graça é que os quadros se movem. Se tens teu quadro ao lado de uma janela, a luz vai mudando e projectam-se as sombras sobre ele. Abres uma luz, e a obra muda por completo. São obras com muita sombra, com muito movimento. A obra altera para o longo do dia como as luzes e as sobram não deixam de mudar com o passo das horas.
--"Nossos antepassados, obrigados a residir, o quisessem ou não, em moradias escuras, descobriram um dia o belo no seio da sombra e não demoraram em utilizar a sombra para obter efeitos estéticos", escreveu Tanizaki em 'O elogio da sombra'. Em quem se inspirou para criar suas obras?
--Eu sou uma louca dos lustres de Isamu Noguchi, que cria uns lustres com uma luz muito especial que se vai refletindo… A fonte de inspiração foi este tipo de lustre e o tema das sombras veio unido com o volume. Algumas peças são completamente brancas, mas parece que tenham diferentes cores, que estejam cheias de cinzas, porque mudam de cor com a luz e a sombra.
--As obras das séries Eternity, Chess, Monopoly e Puzzle transmitem paz…
--Sim. Isso é um pouco subjetivo, mas a mim me transmitem paz e harmonia. Dão-me acalma e são bonitos. Contribuem estética ao lar. A gente diz-me que são muito decorativas, e têm razão. Eu simplesmente procurei que a obra gostasse como para pôr no salão e não me cansar nunca. São obras que procuram acalma.
--Em mudança, as peças de Universe e Windows convidam a sonhar…
--Sim, são mais divertidas. Algumas me recordam à infância. Universe é como um circo, como uma espécie de carpa de circo. E Puzzle também, ainda que com um estilo japonês. A muita gente as obras da série Puzzle recorda-lhes aos sobrecitos que tocavas e abrias quando eras pequeno. Monopoly está inspirada no jogo. São como casitas. Tudo está unido à infância. São obras que evocam à infância com um toque estético.
--A cada peça é única e todas são personalizáveis, tenho lido em sua página site. Qual é a obra que mais lhe pedem?
--Monopoly, Universe e Eternity são as séries mais vendidas, ainda que estão todas bastante simultaneamente. Trabalho muito por encarrego e adapto-me às medidas e às cores que gostem mais ao cliente, dentro da faixa, claro.
--Revê-las-emos expostas proximamente?
--Agora mesmo tenho obra exposta em Estudo María Santos, Bingutti, no showroom de Juan Bengoa e em Anjos Vale no rastro de Madri. E em meu estudo, claro, baixo cita prévia. Agora mesmo não estou em nenhuma galeria porque prefiro ter um trato mais direto com o cliente. Sei a quem tenho vendido a cada quadro, e isso que tenho vendido muitos. Numa galeria perderia esse trato mais próximo. E desfruto muito ensinando-lhes o estudo e pensando sua obra. Com alguns clientes inclusive temos montado a obra juntos.
--Como se produzem o grosso de suas vendas?
--O 80% de meus clientes compram sem ver a obra através de Instagram ou da página site. A maioria compram sem vê-las ao vivo.
--Em que forquilha de preços se movem seus quadros?
--Entre 350 e 2.500 euros.
--Como definiria a beleza de tuas obras?
--Inclusive a gente que não me conhece diz que minhas obras me representam. Transmitem paz, ordem, harmonia… As obras são uma parte de meu carácter, de minha personalidade, e visualmente representam o que para mim é a beleza.