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Victoriano Porto, o inspetor do Guia Michelin durante 35 anos que provou 10.000 menus

Entrevistámos este experiente crítico gastronómico para termos uma ideia, nem que seja por um momento, de como deve ser ser pago para ir aos melhores restaurantes do mundo.

Teo Camino

Victoriano Porto, inspetor do Guia Michelin há 35 anos, dá uma conferência / ELITE EXCELLENCE

Se somos o que comemos, Victoriano Porto (Gonte, 1964), inspetor do Guia Michelin durante 35 anos, é o mais parecido à perfeição que há sobre a face da Terra. Uma azeitona esférica. Uma figura divina. Um eleito.

Há raparigas que sonham com ser futebolistas profissionais. Alguns rapazes almejam ser astronautas, médicos ou professores. Outros, não têm sonhos e querem ser influencers. Quando Victoriano Porto era pequeno, a sua imaginação não atingiu a sonhar o que lhe depararía a vida porque era inimaginável: dedicar-se a degustar, nas salas mais luxuosas do planeta, as criações mais sublimes dos melhores chefs, e ser pago para isso. Um sonho daliniano. Algo incomensurável. Um caminho para recordar.

--Após 35 anos como inspetor do Guia Michelin, a que sabe a reforma?

--Ainda não estou aposentado ainda porque tenho 59 anos, mas, desde há um ano, a Michelin ajuda-me com uma com uma licença compensatória porque considera que o ritmo das refeições de um inspetor, em determinadas idades, é duro e difícil de suportar.

--Quantos provou?

--Entrei na guia no início de 1988 e saí no final de 2022. Se temos em conta que de segunda-feira a sexta-feira comemos e jantamos todos os dias fora salvo na sexta-feira à noite, é fácil calcular, mais ou menos, o número total. Um inspetor faz uma média de 300 refeições por ano no plano profissional, pelo que eu terei feito mais de 10.000. Uma barbaridade.

Victoriano Porto, segundo a contar da esquerda, com o chefe Martín Berasategui, ao centro, e outros gourmets / TWITTER

--Que nome utilizava para fazer as reservas?

--No início, utilizava nomes de colegas de estudos da Escola de Hotelaria de Santiago, até que em 1993 entrou no guia como inspecor Miguel Rial, cujo nome tinha reservado muitas vezes. A partir desse momento, comecei a criar nomes falsos com os segundos apelidos dos meus pais e avós.

--Que fazia para tentar passar despercebido?

--Quando trabalhava em grandes cidades, para as primeiras refeições que tinha que fazer aproximava-me aos restaurantes sem reserva e, se estavam cheios, ia no seguinte até que encontrava um que tivesse mesa. Assim não tinham nem nome, nem telefone, nem correio electrónico, ainda que mudamos de telemóvel e de email com bastante frequência.

--E uma vez sentado?

--Comportar-me como um cliente qualquer, fingir que estava a ler algo no jornal ou no telemóvel, não anotar nada e não tirar muitas fotografias dos pratos. Embora muitas vezes tivesse de fazer perguntas, e eles já desconfiavam de mim.

--O anonimato, com milhares de menus degustação, sabe melhor?

--Sabe muitíssimo melhor e comes mais tranquilo e concentrado, mas sabe melhor acompanhado. Sempre digo que é melhor comer um ovo frito com um bom amigo, que comer no melhor restaurante do mundo com uma pessoa com a qual não tens afinidade. Ainda que, quando trabalhava, já estava acostumado a comer sozinho. Sorrio quando me lembro que devo ter jantado sozinho umas 30 vezes no Dia dos Namorados. Nesse dia, fiz uma reserva para dois, pus uma gravata vermelha, cheguei e disse ao gerente: "Deixaram-me pendurado".

--Que era o primeiro que analisava?

--O equilíbrio da carta e o menu degustação. Se tinha pratos com produtos fora de temporada, sempre os pedia, e o curioso é que algumas vezes me diziam os chefs ou
o director de sala: 'Como pede este produto nesta época?' E eu lhes respondia: 'Como têm este produto agora?'. Depois analisava a apresentação, a temperatura, o
ponto de cozedura, a qualidade do produto, a execução, a técnica, o conceito, a originalidade, os tempos de espera... São tantas coisas. E antes de chegar ao lugar, o site, o atendimento telefónica, o exterior, a fachada, o acolhimento, a manutenção do local, a limpeza, o uniforme dos empregados, o asseio. E os preços, algo importantíssimo para mim e acho que para todos.

--A excelência é, em parte, aparência?

--Eu acho que não. A excelência é o que deve procurar todo o restaurante dentro das suas possibilidades. Inclusive o que oferece um menu do dia por 12 euros e olha como estão os preços dos alimentos. Para mim, um restaurante consegue a excelência quando me leva a um estado de felicidade absoluta.

--O que marca a diferença?

--O talento, todos sabem fazer uma tortilla de batatas, mas nem todos a fazem bem. Depois, a diferença está no produto, no mimo pelo detalhe, a técnica, a execução e a posta em cena. A apresentação é importantíssima: há pratos que são verdadeiras obras de arte.

--Diga-me um, o melhor que provou, o que mais lhe fascinou ou surpreendeu...

--O salmonete de Martín Berasategui com as suas escamas estaladiças; a comtessa de Joan Rocha; a horta de Paco Roncero; uma galinhola em Zalacaín nos anos 90...

--Tem de eleger um único prato...

-A que mais me entusiasmou foi a azeitona esférica de Ferran Adriá, na primeira vez que a comi. Pensei que estava a tocar no céu. Parecia tão original, sedosa, fina e delicada, com uma textura que nunca tinha provado antes, que fiquei encantada. E, para além disso, o seu sabor: era algo de extraordinário.

--Um ambiente

--Restaurante Lhe Louis XV de Alain Ducasse, no Mónaco. O luxo, a elegancia, o conforto, o serviço, todo isso cria um ambiente mágico.

--O melhor serviço

--Quando comecei no Guia Michelin, o melhor serviço em Espanha estava em Zalacaín. Agora, está no Celler de Can Rocha pelo que transmitem os irmãos Rocha e o cuidado dos detalhes.

--Uma sobremesa...

--As sob remesas de chocolate de Lhe Pré Catelan, um três estrelas de Paris, ou as sobremesas do El Celler de Can Rocha. Mas neste ano há uma da Casa Marcial que me fascinou: oarrepio com maçãs, algas e leite, uma sobremesa algures entre o doce e o salgado. Excecional.

--Um restaurante, no seu conjunto...

--Em Espanha, para mim, Martin Berasategui e El Celler de Can Rocha.

--O lugar onde comeu melhor

--A aldeia onde nasci, Gonte, a poucos quilómetros de Santiago de Compostela. Cozinhava a minha mãe, que era dona-de-casa, além de trabalhar no campo.

--Depois de 35 anos no Guia Michelin, agora que saiu do anonimato, renasceu?

--Atualmente, trabalho por conta própria e aconselho restaurantes, dou palestras e ajudo a organizar conferências e refeições. E sim, nasci de novo devido à mudança de vida e a uma operação de coração aberto, mas tenho saudades de trabalhar no guia. Era a minha vida.