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Porque "ultraprocessado" é uma categoria de produtos que deves evitar

Poucos rótulos são tão prejudiciais como o de ultra-processado, mas mais de metade do que está nas prateleiras dos nossos supermercados pertence a esta categoria. A sua presença tem sido associada à saúde, mas nunca para melhor.

O dietista e nutricionista Juan Revenga dá conselhos sobre os produtos ultra-processados / CG PHOTOMONTAGE

Todos associam o conceito de que um produto seja ultraprocessado com algo negativo tanto para a saúde como, habitualmente, para o planeta. No meio popular, a sua elevada oferta e consumo estão associados, respetivamente, a uma pior imagem ambiental (devido às práticas das multinacionais para obter matérias-primas baratas) e a um aumento das doenças não transmissíveis (diabetes, obesidade, cancro, saúde mental, etc.) devido ao seu habitual perfil nutricional negativo.

Esta crença da rua é também sustentada por cerca de meio milhar de estudos e publicações que, à luz da ciência, colocaram esta categoria - a de produto ultra-processado - no pelourinho. Por outras palavras, a sua fama faz justiça à realidade em que vivemos em virtude do conhecimento que temos deles, tanto em termos do seu valor nutricional objetivo (tendem a ser produtos com uma elevada presença de nutrientes pouco recomendáveis, enquanto a presença dos que têm mais ou menos interesse é anedótica) como das associações entre o seu consumo e diferentes doenças metabólicas.

São prejudiciais, sim, mas a sua definição pode ser melhorada.

Não existe uma definição consensual do que constitui um produto ultra-processado. No entanto, tanto a comunidade científica como a grande maioria dos comunicadores nutricionais concordam que o sistema NOVA é a referência para categorizar os alimentos - e produtos alimentares - de acordo com o seu grau de processamento. No entanto, existem alguns problemas importantes com a utilização deste ponto de partida de definição:

  • Os quatro grupos da classificação NOVA sobre o grau de processamento dos alimentos é ambigua, pouco objectiva, e cada um dos quatro grupos é susceptível de interpretação subjetiva. Em especial o NOVA 4, que refere àqueles produtos etiquetados como "ultraprocessados". Nota Bene: O grupo NOVA 1 seriam os alimentos sem processar ou minimamente processados; o grupo NOVA 2 abarcaria os ingredientes culinários que raramente se consomem de forma isolada (sal, açúcar, azeites vegetais...); o grupo NOVA 3, estaria conformado pela mistura de ingredientes, a modo de "receita", tomados dos grupos NOVA 1 e NOVA 2 e aceita, ademais, a inclusão de aditivos relacionados com a sua função tecnológica e de segurança alimentar; por último, os NOVA 4 seriam todas aquelas preparações industriais nas que pelo menos um elemento da sua lista de ingredientes nunca ou raramente se usam nas cozinhas domésticas, e/ou incluem aditivos cuja função é fazer com que o produto final seja mais agradável ao paladar ou mais atraente (chamados "aditivos cosméticos"). Está disponível um resumo em vídeo neste link.
  • A classificação NOVA com base no grau de processamento dos alimentos -ou produtos- não guarda uma relação inequívoca com o seu valor nutricional. Isto é, é possível encontrar exemplos de alimentos do grupo NOVA 1 que não sejam especialmente recomendáveis do ponto de vista da saúde, como por exemplo o consumo habitual de sumos de fruta (e estas são as razões); ao mesmo tempo em que também é possível encontrar produtos pertencentes ao grupo NOVA 4 sobre o que não é necessário fazer nenhum tipo de advertência do ponto de vista nutricional, como por exemplo um iogurte em cujos ingredientes, além de leite e fermentos lácticos, inclua proteínas isoladas do soro do leite (um ingrediente que tu nem ninguém tem nas suas cozinhas, mas que com o manual NOVA nas mãos, lhe faz passar a este produto ao grupo NOVA 4, isto é, ultraprocesado).

A indústria agarra-se a qualquer coisa

A indústria dos alimentos não saudáveis sempre conseguiu lucrar com os problemas. E com razão. No fim de contas, trata-se de gerir o seu negócio da melhor forma possível. Os exemplos são muitos, mas há dois que toda a gente consegue identificar. Nos anos 80, quando a gordura (em geral) era a pior das piores, surgiram os produtos light e com baixo teor de gordura. Em meados dos anos 90, quando os refrigerantes se tornaram o quinto cavaleiro do Apocalipse, os refrigerantes “sem açúcar” foram o seu triunfo. Note-se que estes produtos ainda estão nas prateleiras (e com um sucesso notável). E assim continua.

Mas o termo “ultra-processado” é um fardo contra o qual a tática habitualmente bem sucedida de jogar contra a indústria envolvida não é aparente. Afinal de contas, e no que se refere aos exemplos acima referidos, os produtos anteriores eram tão ultra-processados (ou até menos) como os produtos “sem gordura” e “sem açúcar” que deram origem. Assim, há década e meia que convivemos com o termo “ultra-processado” e a indústria ainda não encontrou forma de transformar este conceito negativo que qualifica os seus produtos num ativo favorável. Nem sequer conseguiu que o termo “ultraprocessado” caísse em desuso, apesar das iniciativas de certas Fundações aparentemente imparciais, que não ccessam de se esforçar por fazer crer que as publicações científicas e a população em geral se confundem ao associar o consumo de produtos ultraprocessados a piores prognósticos de saúde. As principais apostas deste tipo de Fundações e grupos afins consistem em atacar os pontos fracos da classificação NOVA (que já foram apontados).

Mas é certo que a situação é complicada. Se é verdade que, por definição, nem todos os produtos ultra-processados são maus em termos de perfil nutricional, a grande maioria é-o. São produtos em que o elevado grau de processamento está muito convincentemente associado a um péssimo perfil nutricional, pois são normalmente abundantes em açúcares, gorduras indesejáveis, farinhas, calorias e (isto é importante) hiper-palatabilidade. Esta última circunstância favorece ou facilita a ingestão excessiva deste tipo de produtos.

Também lhes é difícil refutar a extensa literatura científica, que aponta para uma associação indubitável e linear entre o consumo de produtos ultra-processados e várias consequências negativas para a saúde. Além disso, não só todo o conhecimento científico aponta nessa direção, como também não há uma única publicação científica séria (e que não contenha um conflito de interesses dos autores com a indústria envolvida) que branqueie a presença de produtos ultra-processados nas nossas dietas.

Por resumir, a última revisão geral da literatura científica (2024),

entre as muitas que já foram publicadas até à data, é inequívoca: “O aumento da exposição a produtos ultra-processados está associado a um risco acrescido de efeitos negativos para a saúde, especialmente cardiometabólicos, perturbações mentais comuns e mortalidade. Estes resultados justificam o desenvolvimento de medidas de saúde pública para reduzir a exposição alimentar a alimentos ultra-processados, a fim de melhorar a saúde humana”.